Resenha: Fique Comigo por Ayòbámi Adébáyò

A Leitura Coletiva promovida pelo Blog Mundo dos Livros no Instagram no mês de agosto me levou numa viagem através do tempo e do espaço, me permitindo transgredir muitas barreiras culturais e apreciar um romance que dificilmente chegaria às minhas mãos de outra forma. 

Título: Fique Comigo
Autora: Ayòbámi Adébáyò
Editora: HarperCollins
Ano: 2019
Páginas: 240
Onde comprar: Amazon | Livraria Cultura | Submarino
Sinopse: "Finalista do Baileys Women’s Prize for Fiction, este romance de estreia inesquecível ambientado na Nigéria dá voz a marido e esposa enquanto eles contam a história de seu casamento ― e as forças que ameaçam destruí-lo. Yejide e Akin se apaixonaram na faculdade e logo se casaram. Apesar de muitos terem esperado que Akin tivesse várias esposas, ele e Yejide sempre concordaram que o marido não seria poligâmico. Porém, após quatro anos de casamento ― e de se consultar com médicos especialistas em fertilidade e curandeiros, tomar chás estranhos e buscar outras curas improváveis ―, Yejide não consegue engravidar. Ela está certa de que ainda há tempo, mas então a família do marido aparece na sua casa com uma jovem moça que eles apresentam como a segunda esposa de Akin. Furiosa, chocada e lívida de ciúmes, Yejide sabe que o único modo de salvar seu casamento é engravidar. O que, enfim, ela consegue ― mas a um custo muito maior do que poderia ter imaginado. Um romance eletrizante e de enorme poder emocional, Fique comigo não apenas debate as questões familiares da sociedade nigeriana, como também demostra com realismo as mazelas e as dificuldades políticas enfrentadas pela população desse país nos anos 1980. No entanto, acima de tudo, o livro faz a pergunta: o quanto estamos dispostos a sacrificar em nome da nossa família?"

"Fique Comigo", romance de estreia da nigeriana Ayòbámi Adébáyò, além de ter sido finalista do Baileys Womens Prize For Fiction, premiação destinada aos melhores livros de ficção no Reino Unido, foi eleito por veículos como The New York Times e The Guardian como um dos melhores romances de 2017, e foi até comparado pela crítica com o icônico "Garota Exemplar", de Gillian Flynn. Adébáyò foi aluna de ninguém menos que Margaret Atwood, autora de "O Conto da Aia", e vem sendo chamada de a 'jovem herdeira' da reverenciada Chimamanda Ngozi, autora de "Sejamos Todos Feministas", "O Perigo de uma História Única" e "Meio Sol Amarelo".

Agora que já lhes apresentei esse incrível currículo, vamos ao que interessa! Se "Fique Comigo" fosse um filme, seria um daqueles thrillers cheios de suspense psicológico e drama, do qual eu - e você também, muito provavelmente - não conseguiria tirar os olhos por um instante.

A história narra a vida de um casal, ora do ponto de vista da esposa, Yejide, na maior parte do tempo, mas também da ponto de vista do marido, Akin. São abordadas pesadamente questões sobre afetividade, casamento, família, maternidade e pressão social, durante os anos 80, na Nigéria. A autora tenta apresentar um background de instabilidade política, devido a um longo período de golpes ao governo e decadência da segurança pública, porém esse ponto acaba se apresentando de forma superficial e deixa a desejar. No entanto, não compromete a leitura como um todo, e a história não deixa de ser extremamente envolvente e cheia de reviravolta, uma experiência literária singular.

O primeiro grande choque de realidade trazido por "Fique Comigo" é a abordagem da poliginia - relação poligâmica onde é permitido um homem possuir várias esposas, mas não o inverso. Mesmo hoje, esse tipo de configuração matrimonial ainda é comum na Nigéria, e inclusive aceita e encorajada nas famílias de maior status social.

Nas primeiras páginas do livro, descobrimos a partir da perspectiva de Yejide e Akin, ambos mais velhos refletindo sobre o passado, que o relacionamento não teve um final muito feliz. O casal se conheceu na faculdade, Yejide e Akin provenientes de uma vida de certos privilégios comuns a uma class alta, envolvidos com a vida acadêmica e política. Ela, já órfã, ele, ainda sob as asas de pais influentes. O casal se apaixona e ainda jovens, decidem se casar, com a promessa de manter o relacionamento exclusivo. Porém, com o passar do tempo, Yejide não consegue engravidar.

Esse é o ponto central de toda a trama, pois todos os acontecimentos daí em diante são consequências da ausência de um herdeiro para a família. A pressão da maternidade sobre Yejide surge então com mais força do que qualquer outra coisa. Akin é praticamente obrigado pelos pais a tomar outra esposa, convencidos que a incapacidade de gerar filhos parte de Yejide, e ela, por sua vez, se encontra numa crise afetiva e existencial: de um lado, a decepção e sofrimento causados pela presença de outra mulher, além dela, na vida de Akin, o que a faz questionar-se sobre a solidez do amor entre eles; do outro lado, a cobrança pelo seu próprio significado como mulher, totalmente colocado à prova pela sua suposta capacidade de engravidar, como se esse fosse o único objetivo real da sua existência. 

Aqui cabe uma forte reflexão sobre o papel da mulher na sociedade, seja ela Yejide, na Nigéria, em 1980, seja ela eu, ou você, onde quer que estivermos, agora mesmo. O perfil patriarcal que toma espaço na nossa sociedade quase como um todo, desde os primórdios, impõe sobre a mulher as mais duras exigências, desde atender a um padrão de beleza a conciliar a vida profissional e a maternidade, sem direito a erros ou falhas. Yejide é uma mulher inteligente, bem sucedida, possui sua própria fonte de renda e é capaz de prover o próprio sustento. Mas, dentro das famílias de "respeito", isso não tem tanto valor se ela não fabricar herdeiros de boa linhagem para o seu marido. Essa pressão faz com que ela venha a sucumbir emocionalmente, adoecendo diante desse sistema. Yejide se culpa, e decide recorrer a qualquer solução para salvar seu casamento e conseguir engravidar.

Uma segunda reflexão inevitável é a respeito das relações familiares. Akin nunca quis tomar uma segunda esposa para si, porém é forçado pelos pais. Aqui nós podemos novamente traçar paralelos entre aquelas famílias ditas tradicionais antigas e as estruturas familiares aceitas como "normais" nos dias de hoje. Relações entre pais e filhos, por exemplo, podem ser extremamente invasivas e tóxicas, e em diversas ocasiões resultar em grandes danos nas vidas daqueles que estão submetidos a esse tipo de relacionamento. O casamento de Yejide e Akin começa a desmoronar pela interferência da mãe de Akin e continuar a ruir por conta das exigências familiares dele, que não possui repertório de vida para se impor contra esses abusos, e na verdade acaba causando problemas piores. Akin acaba, de sua parte, também recorrendo a decisões e atitudes questionáveis para obter o resultado desesperadamente esperado.

Nessa busca sem limites acompanhamos um claro declínio psicológico, moral e afetivo dos protagonistas, perpassando durante essa complexa jornada questões como a realidade de uma gravidez psicológica sem enfeites, traição, assassinato, o luto de uma mãe completamente ignorada em sua dor e a doença da anemia falciforme, hereditária genética comum em muitos países da África. Com tantos acontecimentos a maior pergunta é: até que ponto podemos chegar para antigirmos nossos desejos e objetivos? Até que ponto somos influenciáveis e influenciados pela vontade do outro e o padrão imposto? E, acima de tudo, até onde o amor é capaz de suportar a dor?


"Então o amor é como uma prova: mas em que sentido? Com que finalidade? E quem se submete à prova? Mas acho que eu realmente acreditava que o amor tinha o imenso poder de trazer à luz tudo o que havia de bom em nós, de nos aprimorar, e nos revelar a melhor versão de nós mesmos."

--- Lorena Macêdo ---

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