Resenha Especial: O Médico e o Monstro - Ou o Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr Hyde por Robert Louis Stevenson

Se você cresceu assistindo clássicos da animação e gosta de histórias de super heróis, provavelmente já conhece o final da narrativa de "O Médico e o Monstro", caso não o conheça, inicio esse texto indicando a leitura da obra antes de ler ou ver qualquer coisas sobre essa trama peculiar. Caso decida prosseguir, saiba que eventualmente poderão ser tratados algumas especificidades da narrativa (o que não será, necessariamente, um spoiler).

Título: O Médico e o Monstro - Ou o Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr Hyde
Autor: Robert Louis Stevenson
Editora: Record
Ano: 2016
Páginas: 122
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Sinopse: "Robert Louis Stevenson escreveu em seis dias uma história que lhe veio de um pesadelo. Assim nasceu o clássico da literatura O médico e o monstro ou O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. O livro é uma intrigante combinação entre história de terror e alegoria moral. É a luta de duas personalidades opostas — uma essencialmente boa e outra o puro mal — pelo controle de um homem. O suspense, a inteligência e o retrato sensível da natureza dupla do Dr. Jekyll revelam a habilidade e a originalidade do autor, e o poder de sua obra reverbera até os dias atuais. Essa nova tradução, feita por Ana Julia Perrotti-Garcia, é uma edição comemorativa do aniversário de 130 anos da publicação original."

Mr. Utterson era um advogado discreto, cuja boa moral jamais poderia ser contestada por qualquer membro da sociedade londrina. Cultivava poucos amigos e, a estes, era fiel. Em um dos seus passeios semanais com Mr. Enfield, ele ficou a par de uma história intrigante: em uma madrugada particularmente agitada um certo cavalheiro, cuja identidade era um mistério, esbarrou com uma garotinha que foi ao chão, porém, além de não ajudá-la, ele pisou na criança e a deixou lá sofrendo horrivelmente. Com a gritaria que seguiu o fato, as pessoas se aproximaram do local e identificaram o homem como sendo Mr. Hyde, alguém de aparentes posses mas que era intragável e tinha o poder de repelir qualquer alma viva com as suas maneiras cruéis.

Para Mr. Enfield, aquela era a narrativa de algo que ele tinha visto mas que não se relacionava de qualquer forma com o advogado. O que ele não sabia, era que Mr. Utterson conhecia o nome "Hyde", já que há poucos dias o seu amigo e médico, Dr. Henry Jekyll, havia escrito um testamento no qual deixava todos os seus bens para o Mr. Edward Hyde. Intrigado com essa estranha coincidência, o advogado passa a investigar o beneficiário de caráter duvidoso, porém, as pistas eram poucas, já que os amigos em comum relatavam um certo distanciamento de Dr. Jekyll, que não os permitiria saber algo sobre o seu protegido. No entanto, eis que no decurso dessa procura, ocorre o assassinato de um homem muito importante e Mr. Hyde torna-se o principal suspeito.

"O Médico e o Monstro" é um romance pertencente a era vitoriana que traduz de maneira fidedigna os pensamentos sociais da época. Com os seus ideais rígidos daquilo que era certo e errado, tudo o que escapava desta racionalidade era tido como abjeto e, portanto, indigno de integrar a sociedade. Assim, na figura de Hyde, Stevenson apresenta um homem cuja aparência traz a sensação instantânea de repulsa e que é, portanto, a perfectibilização de tudo o que o corpo social da época odiava. Com suas maneiras intragáveis e seu pouco tato para lidar com outras pessoas, este personagem é a síntese de tudo o que há de desegradável, posto que leva as suas vontades ao nível máximo e não se preocupa com as consequências dos seus atos. Ele é o mal encarnado que estava oculto e por algum motivo foi revelado.

Com essas características lançadas já nas primeiras páginas ao leitor, na sequência o autor nos mostra uma verdadeira investigação protagonizada por Utterson, que anseia por descobrir a verdadeira identidade desta horrível criatura e, principalmente, entender qual a real ligação entre ele e o seu nobre amigo, Dr. Jekyll. Logo, o plote inicial dessa trama é, de fato, detetivesca, o que se contrapõe, em certa medida, as ideias iniciais que possamos ter de que a narrativa está totalmente focada na ficção científica. Com essa promessa de nos conduzir pela resolução do mistério, constantemente Stevenson traz à baila questões sobre ética e moral, ainda mais pela indagação que paira as páginas durante todo a obra: como um homem bom e íntegro pode se envolver com alguém amoral?

A partir disso, é inevitável não pensar sobre a questão do duplo que envolve a obra, posto que na mesma medida em que refletimos sobre qual a matéria que é feita o Hyde, para causar sensações de mal estar tão extremas naqueles que entram em contato com ele, também pensamos em como o Dr. Jekyll se envolveu com alguém tão terrível a ponto de protegê-lo da sociedade que busca puni-lo. Hyde e Jekyll são duas faces da mesma moeda, isso é inegável, porém, o que os torna tão próximos? Seria possível o bem e o mal conviverem? Ou para tanto, aquele dotado de bondade precisa ter uma centelha de maldade e vice-versa? Sim, meus caros, ao ler "O Médico e o Monstro" invariavelmente somos confrontados com questões filosóficas, todavia, para aprofundá-las eu teria que esmiuçar a obra trazendo pontos cruciais da trama e estragar a leitura de quem ainda não leu o livro definitivamente não é o meu objetivo.

Isto posto, também acho relevante apontar que apesar da narrativa ser centrada na busca de Utterson, o autor nos brinda com interações interessantes deste com o Hyde, bem como com o Jekyll. No entanto, este último é alguém quase misterioso, visto que essa concepação de alguém bom e escorreito advém das percepções do próprio narrador e não de conclusões que nós mesmos chegamos, visto que o personagem revela pouco de si quando está em cena. A verdadeira oportunidade que temos de analisar a personalidade dele chega tão somente nas páginas finais do livro. Além disso, a forma escolhida pelo autor de nos presentear com a exposição dos fatos pelo ponto de vista do médico surpreende não só pela densidades das informações, como também pela estrutura quase que independente do texto. E isso se sobressai de tal modo, que se Stevenson decidisse excluir toda a parte narrada pelo advogado, ainda assim teria um escrito ímpar.

Apesar de ser um livro curto, "O Médico e o Monstro" é o tipo de obra que nos enlaça desde as primeiras páginas. É uma  narrativa repleta de camadas e que tem o potencial de causar reflexões profundas e debates acalorados sobre o seu teor. Ao que me toca, em que pese eu tenha tido a infelicidade de conhecer a obra após consumir diversas mídias que me bombardearam de informações sobre o mistério central da trama, foi um texto que me marcou profundamente e que me faz buscar por mais textos literários que tratam da dualidade entre o bem e o mal. Por isso, deixo desde já a minha indicação para que, quem não leu o livro, o faça. Robert Louis Stevenson escreveu uma história poderosa, cuja leitura por si só explica o porquê de ter se tornado um clássico da literatura.

Se sou o maior dos pecadores, também sou o maior dos sofredores.

Essa obra foi lida para a categoria "história polêmica" do Desafio Literário Mundo dos Livros.

--- Isabelle Vitorino ---

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