Comic Resenha: V de Vingança por Alan Moore e David Lloyd

Tenho uma predileção curiosa por histórias que retratam governos totalitários, regimes autocráticos e ideias de oposição à tudo isso. Geralmente, leio histórias no formato romance, mas após assistir ao filme e adquirir há alguns anos essa HQ, resolvi que esse era o ano em que eu conheceria V e toda a sua glória.

Título:
V de Vingança
Roteiro: Alan Moore
Arte: David Lloyd
Cores: David Lloyd, Steve Whitaker e Siobhan Dodds
Editora: Panini
Páginas: 304
Ano: 2012
Onde comprar: Amazon
Sinopse: "Uma poderosa e aterradora história sobre a perda da liberdade e cidadania em um mundo totalitário bem possível, V DE VINGANÇA permanece como uma das maiores obras dos quadrinhos e o trabalho que revelou ao mundo seus criadores, Alan Moore e David Lloyd. Encenada em uma Inglaterra de um futuro imaginário que se entregou ao fascismo, esta arrebatadora história captura a natureza sufocante da vida em um estado policial autoritário e a força redentora do espírito humano que se rebela contra esta situação. Obra de surpreendente clareza e inteligência, V DE VINGANÇA traz inigualável profundidade de caracterizações e verossimilhança, em um audacioso conto de opressão e resistência."

Um mundo futurista repleto de referência literárias e históricas. É assim que "V de Vingança" se apresenta para os leitores. Com alguns de seus contornos sendo delineados por Alan Moore no auge dos seus vinte anos, o enredo no formato que conhecemos foi sendo desenvolvido de forma paulatina e sendimentado por meio da parceria com o David Lloyd.

Já nas primeiras páginas somos apresentados a Evey, uma jovem solitária e que está sofrendo os dissabores de não possuir uma família consigo. Na noite do dia 05 de novembro de 1997, em Londres, ela está planejando sair às ruas em busca de dinheiro por meio da prostituição, mesmo essa sendo uma atividade considerada criminosa, já que o seu trabalho na fábrica de munições não está sendo suficiente para custear suas despesas. Sem experiência, ela não consegue fazer uma boa leitura das pessoas à sua volta e acaba abordando um homem-dedo, uma espécie de agente do governo, que, junto com alguns companheiros passam a intimidá-la por meio da insinuação de um possível abuso. No meio dessa agitação surge um homem enigmático, que assassina a maioria dos seus algozes e lhe conduz para um telhado.


Ainda atordoada com tudo o que aconteceu, Eve não entende o que ele espera dela, tampouco quais serão seus próximos passos. Todavia, ao ser conduzida para aquele local esmo e ver o parlamento explodir, ela começa a perceber que V não é alguém muito comum. Sozinha e se sentindo grata por ter sido salva, ela o acompanha até a Galeria das Sombras e é inserida pouco a pouco nos enigmas deste homem.

E se vocês estiverem pensando que tudo o que eu falei é muita informação, tenho que alertá-los que este é um brevíssimo resumo do primeiro capítulo do primeiro tomo dessa história espetacular. Isso, porque, dividido em "Tomo I - A Europa depois do Reino", onde são apresentados os protagonistas e o plano de V começa a ser descortinado, "Tomo II - Este vil vabaré", com a exploração dos personagens secundárias onde a narrativa se centra em Eve, e "Tomo III - A Terra do faça o que quiser", no qual chegamos ao ápice do clímax e o encerramento brilhante da história, "V de Vingança" é uma história em quadrinhos extremamente densa e repleta de detalhes.


Um dos principais pontos dessa HQ é a maneira como o enredo é construído, já que na vigência de um governo totalitarista, onde os direitos e garantias individuais foram mitigados e deram lugar à diversas imposições governamentais, o Estado controla tudo por meio de uma vigilância constante e uma manipulação massiva do povo - que se intensifica com a destruição de todo acervo histórico e cultural do país.

Sabe-se que esse governo se originou após uma guerra nuclear, cuja subsistência da Grã-Bretanha ocorreu tão somente porque ela se desfez dos mísseis que estavam em seu solo, e um conflito entre grupos locais pelo poder após anos de descentralização. Nele, foram estabelecidos alguns ramos para controlar à população, tais como: a cabeça, representada pelo líder, a quem incumbia a tomada de decisões; a boca, caracterizada como sendo a mídia governamental, responsável pelos programas transmitidos na televisão e rádio - e pelo programa diário chamado a Voz do Destino; o nariz, sintetizado pela função investigatória; os ouvidos, órgão composto por agentes que controlavam a "privacidade" das pessoas; e o dedo, espécie de policiais que ficavam nas ruas para denunciar possíveis violações aos códigos.

Em meio a essa completa destruição da democracia, surge V, um homem dotado não de superpoderes mas sim de habilidades extraordinárias. Ele condensa tudo que o povo precisa para se libertar dos grilhões impostos pelos integrantes do governos, posto que além de uma biblioteca viva, ele é alguém extremamente inteligente e com uma ideal libertário que dificilmente alguém faria oposição. Todavia, se engana quem acha que é fácil decifrar suas motivações, origens e personalidade... Agindo de maneira dúbil, por vezes os seus atos podem ser considerados desnecessários e dotados de extrema frieza, porém, ele foi (literalmente) forjado no fogo, logo, ele não acredita em conceitos abstratos como felicidade e bondade.

Para mim, ele não é um antiherói. Isto, porque, em que pese ele tomar algumas atitudes questionáveis ao longo da narrativa, em nenhum momento as ações se disvirtuam do seus principais objetivos, que são restituir a liberdade da população e destruir o governo de modo que ele jamais possa se reestabelecer. Além disso, ele se aproveita das fraquezas que constata no próprio sistema, sem, no entanto, se aliar ao governo ou ter dúvidas do seu propósito para só ao final se redimir. Ele é, portanto, um justiceiro anarquista e acredita que a destruição também faz parte do processo de criação, logo, suas insanidades encontram justificativa.

Como mencionei anteriormente, o V está na busca por destruir o governo. A forma como ele faz isso é bem interessante, pois ele conhece todo o funcionamento dos órgãos e a linha de pensamento dos seus componententes, assim, todas as suas decisões são cirúrgicas na desestabilização da confiança que os agentes governamentais tem no sistema e na descredibilização destes perante o povo.


Para nos mostrar a precisão dos atos deste herói, Alan Moore e David Lloyd também exploram os personagens secundários e desenvolvem algumas narrativas paralelas. Temos desde um agente, que trata muito mal a mulher, e que acaba sendo assassinado trazendo para a esposa uma série de desgraças oriundas das antigas proibições que inviabilizaram o desenvolvimento dela, até de um integrante do governo traído e manipulado pela esposa que vê na crise governamental uma maneira de ascender ao poder.

Além disso, é claro, temos o desenvolvimento da própria Evey, que inicia a narrativa com ares de personagem secundária e que vai se firmando como uma verdadeira protagonista. A sua história é triste e ela é submetida à diversos desafios no decurso de sua aproximação com o V, pois a medida em que ela vai se sentindo cada vez mais confortável com a aparente segurança trazida pelo seu protetor, ele busca por maneiras de ensiná-la, de lhe dar conhecimento e de tirá-la da sua zona de conforto. O sentimento de gratidão que ela sente por ele é tamanho que pouco a pouco ela se vê colaborando nos planos de V, porém, essa lealdade acaba esbarrando no seu próprio senso de justiça e moral. Ela é uma personagem grandiosa!

Ressalto que as referências colocadas na história são incríveis, pois iniciam com (muitas) citações de Shakespeare e alcançam a própria concepção do protagonista e do universo em que o enredo se encontra. Há uma abordagem aos horrores da Segunda Guerra Mundial, principalmente ao genocídio das minorias e aos experimentos científicos com humanos, bem como aos acontecimentos que permearam a vida de Guy Fawkes, um soldado católico, cujo rosto está esculpido na máscara de V, que tinha como plano principal mandar os integrantes do governo inglês pelos ares através da explosão do parlamento no dia 05 de novembro de 1605.

Inclusive, essa é uma data muito importante para a HQ, pois tudo começa em 05 de novembro de 1997 e se encerra antes do Natal de 1998. Nesse intervalo de tempo são tantas as coisas que acontecem que o leitor não tem descanso. O ritmo da história é alucinante e os fãs de enredos subversivos certamente irão se deslumbrar com todo o conceito trazido por Moore e Lloyd, seja na complexidade do enredo e na caracterização dos personagens, seja na paleta fria de cores que nos transporta diretamente para aquele fátidico ano libertário que essa Londres ficcional viveu.

Então se você é um fã de histórias como 1984, Fahrenheit 451 e Admirável Mundo Novo, "V de Vingança" não pode, nem deve, ficar de fora das suas leituras. Garanto que mesmo aquele que não está habituado a realizar leituras de histórias em quadrinhos irá se render ao enredo sensacional de Alan Moore. Em suma, brilhante em todos os níveis!

Você pede conhecimento, Eve. É isso que vou passar pra você. Conhecimento como o ar, é vital para a vida. Como o ar, não pode faltar. - Pág. 220

--- Isabelle Vitorino ---

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