Resenha: Uma Mulher no Escuro por Raphael Montes

O quão ferrados podemos nos tornar por atitudes e atos presenciados em nosso passado? Nesse thriller pesado e mega intenso, desconfie até da sua própria sombra...

Título: Uma Mulher no Escuro
Autor: Raphael Montes
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 256
Ano: 2019
Onde comprar: Amazon | Livraria Cultura | Submarino
Sinopse: "Victoria Bravo tinha quatro anos quando um homem invadiu sua casa e matou sua família a facadas, pichando seus rostos com tinta preta. Única sobrevivente, ela agora é uma jovem solitária e tímida, com pesadelos frequentes e sérias dificuldades para se relacionar. Seu refúgio é ficar em casa e observar a vida alheia pelas janelas do apartamento onde mora, na Lapa, Rio de Janeiro. Mas o passado bate à sua porta, e ela não sabe mais em quem pode confiar. Obrigada a enfrentar sua própria tragédia, Victoria embarca em uma jornada de amadurecimento e descoberta que a levará a zonas obscuras, mas também revelará as possibilidades do amor. Um psiquiatra, um amigo feito pela internet e um possível namorado ― qual dos três homens está usando tudo o que sabe para aterrorizar a vida de Vic? E o que afinal ele quer com ela? Na literatura nacional, Raphael Montes é unanimidade quando se trata de livros de suspense. Uma mulher no escuro traz sua primeira protagonista feminina e confirma o autor como um dos mais originais da atualidade ― além de deixar o leitor intrigado do começo ao fim."

Victoria Bravo é uma garota de 24 anos completamente perturbada, e ninguém pode julgá-la por isso. Aos 04 anos de idade foi a única sobrevivente do massacre que matou toda sua família e agora, 20 anos depois, com ajuda psicológica especializada, um vício extremo em álcool mantido sob controle por um fio e uma dosagem de comprimidos que deixaria qualquer hipocondríaco extasiado, precisa seguir em frente com a sua vida.

A vida em questão se resume basicamente a seu emprego de garçonete, visitas semanais a sua tia-avó, que por opção própria encontra-se em um asilo, sessões com seu psicólogo e eventuais encontros com um amigo chamado Arroz.

Tudo fica prestes a mudar quando Arroz demonstra nutrir sentimentos que vão além da amizade, assim como um cliente do café em que trabalha começa a se interessar pela garota, que repudia qualquer tipo de contato íntimo, seja físico ou emocional. Não obstante as reviravoltas da vida, seu passado volta, quando alguém arromba sua casa e deixa uma mensagem clara: aquele que destruiu sua vida, assassinando sua família, está de volta. 

Resta a Victoria a tarefa de juntar as peças do passado que ela a todo custo tentou enterrar e descobrir, de uma vez por todas, o porquê de tudo ter acontecido, assim como qual dos homens que estão em sua vida tem ligação direta com tudo isso.

Há tempos venho procrastinando retomar leitura de nacionais, usando como desculpa o fato de que, em minha coleção particular de livros, tenho um bom acervo ainda não lido, todos de autores de fora. Para me livrar dessa desculpa resolvi adquirir um livro de um autor contemporâneo e eis minha grata surpresa ao encontrar o nome do Raphael Montes. Admito que esse não foi o título do autor que me instigou, mas era o que tinha disponível na livraria da minha cidade e adquiri no ímpeto. E posso falar que foi arrependimento zero!

Como um bom apreciador de thillers policiais e livros de terror, a história atraiu minha atenção logo em suas primeiras páginas com uma escrita bastante direta e intensa. Raphael Montes claramente sabe escrever bem e tem domínio de sua história e personagens.

Gosto como a trama vai se abrindo aos poucos e a apostas vão surgindo de forma orgânica, fazendo com que o leitor siga as postas junto com a protagonista e surpreenda-se junto com ela a cada reviravolta. Vale lembrar que Victoria está longe de ser uma detetive policial, está mais para uma jovem adulta com um passado deveras traumático... No entanto, o brilhantismo do Montes se encontra aí. 

Apesar do narrador esta em terceira pessoa, fora os trechos de pensamento do assassino e dos capítulos sobre os diários do mesmo, nós temos somente o filtro de informações e crenças da sua personagem. Ou seja, se Victoria acha que personagem X é o culpado, nós também somos levados a pensar isso. Tal manipulação com a opinião do leitor, trabalhada de forma tão brilhante, eu só tinha sentido quando li "Garota Exemplar" da Gilian Flynn. Então ponto para o autor!

Outra coisa bacana e que sim, aplaudo de pé, é que não temos em nenhum momento uma "europatização" seja de ambiente, ou mesmo dos personagens. As descrições sobre as ruas do Rio, sobre as cidades do redor da mesma, mesmo a breve citação sobre o relógio floral de Poços de Caldas (minha cidade! E sim, eu vou me gabar disso), asism como a caracterização física dos personagens são algo tão natural e verossímil que me faz repensar sobre as belezas naturais de nosso país. Fora que citar programas, personalidades e locais que de fato conhecemos, sem precisemos acessar o Google para verificar o que é, é reconfortante.

As referências à cultura pop e geek também são um delete. E eu totalmente aderi a metáfora de Stephen King e George Martin para a vida.

Se teve algo que me incomodou com o livro foi o fato de, talvez por conta do seu tamanho, ele deixar alguns pontos da história sem uma explicação mais elaborada. A sensação foi de "falta algo aqui". E tive que usar da minha suspensão da descrença em alguns momentos, seja sobre a identidade do assassino, seja sobre alguns personagens. Sobre o motivo de toda a tragédia e o real motivo da falta de interação social da personagem, não são coisas que atrapalhem o desenvolvimento da história, mas são pequenos pontos que, mais elaborados, creio que trariam algo a mais a toda a história.

De um modo geral, "Uma Mulher no Escuro" traz um roteiro extremamente cativante e que não te deixa largar o livro até que você descubra tudo. Raphael Montes foi uma grata surpresa nessa ano sabático. Sua escrita me cativou e mal posso esperar para por as mãos em mais obras do autor. 

"Você deveria tomar cuidado para não ir de um extremo a outro" o dr. Max disse. "O excesso de amor é tão perigoso quanto a falta. - Pág 136

--- Marcel Elias ---

Postar um comentário

Obrigada pela visita, dê sua opinião, participe e volte sempre.

- Caso tenha uma pergunta deixe seu e-mail abaixo que respondo assim que o comentário for lido.

- Caso sua mensagem não tenha relação com o post, envie para o e-mail.