Resenha: O que o Sol faz com as Flores por Rupi Kaur

Hoje nós vamos falar sobre poesia.

Título: O que o Sol faz com as Flores
Autora: Rupi Kaur
Editora: Planeta
Ano: 2018
Páginas: 256
Onde comprar: Amazon | Livraria Cultura | Submarino

Sinopse: "da mesma autora de outros jeitos de usar a boca, best-seller com mais de 100 mil exemplares vendidos no Brasil. o que o sol faz com as flores é uma coletânea de poemas arrebatadores sobre ]crescimento e cura. ancestralidade e honrar as raízes. expatriação e o amadurecimento até encontrar um lar dentro de você. organizado em cinco capítulos e ilustrado por Rupi Kaur, o livro percorre uma extraordinária jornada dividida em murchar, cair, enraizar, crescer, florescer. uma celebração do amor em todas as suas formas. essa é a receita da vida minha mãe disse me abraçando enquanto eu chorava pense nas flores que você planta a cada ano no jardim elas nos ensinam que as pessoas também murcham caem criam raiz crescem para florescer no final".

Gêneros literários às vezes se confundem facilmente. Quando falamos de poesia e suas ramificações, a coisa pode ficar complicada. 

"O que o sol faz com as flores" paira como prosa poética, poesia contemporânea, poesia feminista... - eu adiciono aqui a categoria de 'poesia biográfica'. Gosto do termo, me faz desvincular um pouco das formalidades poéticas, formatos clássicos e regras rítmicas. Gosto de quebrar regras.

Rupi Kaur é indiana, que imigrou para o Canadá ainda muito criança, e seu trabalho brinca com a ilustração e a escrita. Começou a ser conhecida nas redes sociais como 'Instapoet' e se reconhece como uma 'artista da palavra falada'. Tudo o mais sobre essa jovem poetisa pode ser encontrado no auto-retrato que é sua obra. 

O nome de Rupi surgiu na minha lista de leitura e minha conexão com suas histórias foi (quase) inimaginável; sei que muitas e muitas outras mulheres se enxergariam (ou descobririam!) refletidas em folhas de papel como estas. "O que o sol faz com as Flores" é um livro intenso, o segundo da autora, onde ela cresce, se desnuda, e seu estilo se solidifica. A coletânea de poesias possui uma ordenação significante, construindo quase uma narrativa - desde o murchar até o florescer. Por entre suas palavras fortes e ilustrações delicadas, vivenciamos experiências que fazem parte do cotidiano da nossa autora - e também de milhões de outras mulheres.

No primeiro trecho do livro, Rupi retrata sua vida dentro de um relacionamento abusivo, como uma flor murchando. Assim como ela, toda mulher em situação de violência murcha. Perde a cor, o perfume, o brilho...

peguei o último buquê de flores
que você me deu
agora estão murchas no vaso
uma
por
uma
cortei as cabeças 
e comi todas.

Relacionamentos abusivos podem se passar por namoros e casamentos - e outros laços - perfeitamente normais - apenas por que foi normalizado o abuso. A inferiorização, humilhação, tortura psicológica, tudo isso que acontece com uma pessoa que além de sofrer, carrega consigo muita culpa, provoca terríveis danos.

ontem
quando saí da cama
o sol caiu no chão e rolou pela grama
as flores decapitaram a si mesmas
a única coisa viva que sobrou fui eu
e eu já não sei se isso é vida.


- depressão é uma sombra que mora em mim


Depois de murchar, a flor, sem forças, cai. Submerge. Se afunda nas mais asfixiantes profundezas. Isso se chama depressão. Imagino que a força desse sofrimento derrubariam qualquer mulher ou qualquer flor, e o tema permeia pesadamente o segundo tomo do livro. Após uma perda significativa, o mundo se torna grotesco, e as memórias mais árduas da autora se fazem lembrar e reviver. A depressão ou qualquer tipo de adoecimento mental, seja por qualquer motivo, pode ser avassaladora. Um misto de horrores e sentimentos e Dor. Dor. Dor. Como não entrar em queda livre?

essa é a receita da vida
minha mãe disse
me abraçando enquanto eu chorava
pense nas flores que você planta
a cada ano no jardim
elas nos ensinam 
que as pessoas 
também murcham
caem
criam raiz
crescem
para florescerem no final.



Nossa poetisa-flor segue, no próximo 'capítulo', o conselho de sua mãe, e decide enraizar-se. E esse momento tem a ver com pertencimento e identidade. Rupi resgata sua ancestralidade roubada pelos horrores da emigração compulsória e colonialismo. A luta contra a xenofobia, racismo e apagamento cultural, entre tantas outras questões, mostram o que é verdadeiro e valioso para ela. E é ali que é possível criar raízes, se reerguer, fortalecer e novamente... 

Crescer. 

Em meio a obstáculos reais, como aceitar o amor novamente, depois do abuso, depois da dor? A perda do amor - principalmente do auto amor - é sintoma difícil de curar, e leva tempo. Tudo vai se ressignificar de alguma forma, porque precisa ser assim. E de repente, acontece o inesperado - a flor crescida consegue amar mais uma vez. Dessa vez vai ser tudo diferente. Vai ser, de novo, a primeira vez. O primeiro olhar, o primeiro sorriso, o primeiro toque, o primeiro beijo... Superação e perdão fazem parte desse processo, que Rupi nos mostra ser, sim, possível. 

porque girassóis ele me pergunta
eu aponto para o campo amarelo
os girassóis adoram o sol eu digo
quando o sol sai eles se erguem
quando o sol vai embora 
eles abaixam a cabeça de tristeza
é o que o sol faz com as flores
é o que você faz comigo.

- o sol e suas flores

Rupi reflete sobre vulnerabilidade e confiança, e sobre como um amor saudável é curativo e agregador; como o que a machucava antes não era amor, era violência. E com verdadeiro suporte, finalmente, ela pode e vai florescer. Florescer a tal ponto de saber ser flor sozinha. Quase como uma epifania, suas palavras refletem o autoconhecimento e valorização, e a compreensão da magnitude de sua existência - como mulher, amante, filha, indiana, imigrante, acima de tudo, humana - como tudo o que representa. E no tomo final, suas palavras de cura, levada a todas as outras mulheres, ensinam a plenitude de ser flor sob o sol.


não há
mais nada
que você possa temer
o sol e suas flores chegaram.

--- Lorena Macêdo ---

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