Resenha: A Vida Invisível de Eurídice Gusmão por Martha Batalha

Esses dias parei para refletir sobre as minhas leituras e percebi que estou em grande falta com a literatura brasileira. Incomodada com essa situação, resolvi fazer um pequeno planejamento e já no mês de maio li o belíssimo "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" de Martha Batalha, cujo enredo foi adaptado para os cinemas e deu origem ao filme "A Vida Invisível", com Fernanda Montenegro.

Título: A Vida Invisível de Eurídice Gusmão
Autora: Martha Batalha
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2016
Páginas: 196
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Sinopse: "Guida Gusmão desaparece da casa dos pais sem deixar notícias, enquanto sua irmã Eurídice se torna uma dona de casa exemplar. Mas nenhuma das duas parece muito feliz nas suas escolhas. A realidade das Gusmão é parecida com a de inúmeras mulheres nascidas no Rio de Janeiro nos anos 1920 e criadas para serem boas esposas. São as nossas mães, avós, bisavós; invisíveis em maior ou menor grau, que não puderam protagonizar as próprias vidas, mas que agora são as personagens principais do primeiro romance de Martha Batalha. Uma promessa da ficção brasileira que chega afiadíssima para contar uma infinidade de histórias bem costuradas e impossíveis de largar."

Eurídice Gusmão é uma mulher nascida na década de 20 que casou com Antenor ainda muito jovem. Já no início do casamento, ela percebe que seus principais anseios não se relacionavam apenas com o lar e com a família, pois ainda que cuidasse com todo o zelo da casa, dos filhos e do marido, secretamente, ela sonhava em alcançar objetivos incríveis, tais como lançar um livro de culinária, repleto de sabores e sensações, ou ser a melhor designer de roupas que o bairro da Tijuca poderia querer. No entanto, mesmo sendo excelente naquilo que se propunha a fazer, esse não era o papel que a sociedade esperava dela.

Isto é, na mesma medida em que as fofocas de vizinhas, como a frustrada Zélia, não lhe incomodavam, a falta de apoio do seu marido minava completamente a sua confiança de dar continuidade aos seus projetos. No entanto, não foi só na vida adulta que Eurídice teve que abrir mão de coisas que lhe importavam em prol das expectativas de terceiros, pois já na adolescência deu o seu primeiro não a si mesma, quando decidiu se tornar a filha perfeita para os pais e assim ocupar o espaço vazio deixado por sua irmã Guida, que desapareceu sem deixar qualquer rastro.

"A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" é um livro curto e de narrativa muito fluída e rápida, mas que carrega uma densidade encontrada em poucas obras. A escritora Martha Batalha traz com maestria uma história sobre as mulheres das décadas de 20 a 40 no Brasil e as possibilidades que se desdobravam - ou não - em suas vidas, de modo que podemos ter um vislumbre muito preciso daquilo que nossas avós, e em certa medida, que nossas mães vivenciaram durante anos. Isso, porque, em que pese a ausência de contemporaneidade da segunda geração, a educação desta encontra muito reflexo naquilo que a primeira viveu.

Acompanhar os acontecimentos da vida das mulheres apresentadas nesta obra é extremamente doloroso, já que mais do que tratar das frustrações vivenciadas pela impossibilidade de se desenvolverem da forma que gostariam, há temas delicados sendo apontados durante toda a narrativa, tais como, a ausência de desejo sexual no casamento em contrapartida ao senso de um "dever" conjungal que leva uma mulher a engordar propositalmente para não ser desejável aos olhos do marido, os julgamentos sociais sofridos por mães solteiras e por mulheres que se prostituíram em algum momento da sua vida, e ainda a completa destruição da autoestima de alguém que resulta em uma existência completamente amarga.

É importante ressaltar que mesmo sendo um livro que aborda assuntos tão sensíveis, a autora consegue nos manter presos às páginas ao inserir uma pitada de ironia no texto que o deixa um pouco mais leve. Além disso, a sua habilidade em apresentar os personagens da trama por meio de recortes pontuais acerca de suas trajetórias pode ser descrita como magistral, principalmente porque todas as histórias dessas personagens se unem e influenciam de maneira direta a vida dos protagonistas. Pessoalmente, apesar de ter um enorme apreço pela Eurídice, me senti mais conectada com sua irmã Guida. A forma como ela se desenvolve e vai de uma moça tolinha para uma mulher forte e dona do seu destino, me encantou. Ela é forte, corajosa e leal, e essas qualidades se mostram a todo momento.

É claro que não é um livro que busca esgotar a temática do papel da mulher na sociedade, mas é um enorme incentivo ao exercício da reflexão das dificuldades vividas pelo gênero feminino durante anos e que atualmente só mostra certa evolução e obtenção de conquistas graças aos movimentos que sempre buscaram pela igualdade dos gêneros. Assim, se você, caro leitor, aprecia livros irônicos, reflexivos, históricos e sociais, poderá encontrar em "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" histórias que conversam com a realidade de diversas mulheres e que deixam um sentimento indigesto de que ainda há muito a ser feito e discutido para que alcancemos uma sociedade justa e equânime.

Estava escrito em seu destino e em sua face que seria infeliz.

Esse livro foi lido para a categoria "para ler de uma só vez" do Desafio Literário Mundo dos Livros.

--- Isabelle Vitorino ---

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