Resenha Especial: A Revolução dos Bichos por George Orwell

Há muito tempo tenho o desejo de conhecer os livros do escritor George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair. No entanto, sempre posterguei o momento por acreditar que eu precisaria de uma maturidade maior para compreender a exata medida daquilo que ele se dispôs a tratar em suas obras. Por isso, quando me senti preparada me joguei de cabeça na história de "A Revolução do Bichos" e estou longe de me recuperar dos efeitos que esse livro surtiu na minha cabeça. O porquê disso, trago na resenha de hoje.

Título: A Revolução dos Bichos
Autor: Goerge Orwell
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 152
Ano: 2007
Onde comprar: AmazonSubmarino

Sinopse: "Verdadeiro clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século 20, 'A Revolução dos Bichos' é uma fábula sobre o poder. Narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos. Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista. De fato, são claras as referências: o despótico Napoleão seria Stalin, o banido Bola-de-Neve seria Trotsky, e os eventos políticos - expurgos, instituição de um estado policial, deturpação tendenciosa da História - mimetizam os que estavam em curso na União Soviética. Com o acirramento da Guerra Fria, a obra passou a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell repetiria o mesmo gesto anos mais tarde com seu outro romance 1984, finalizado-o às pressas à beira da morte para que o mesmo service de alerta ao ocidente sobre o horrores do totalitarismo comunista. É irônico que o escritor, para fazer esse retrato cruel da humanidade, tenha recorrido aos animais como personagens. De certo modo, a inteligência política que humaniza seus bichos é a mesma que animaliza os homens. Escrito com perfeito domínio da narrativa, atenção às minúcias e extraordinária capacidade de criação de personagens e situações, A revolução dos bichos combina de maneira feliz duas ricas tradições literárias: a das fábulas morais, que remontam a Esopo, e a da sátira política, que teve talvez em Jonathan Swift seu representante máximo."

A Granja Solar é comandada nas mãos de ferro do Sr. Jones, um homem viciado em álcool e que não oferece qualquer espécie de conforto para os animais que ali habitam. Cansados de permanecerem sob o jugo do fazendeiro, os bichos resolvem seguir os conselhos do velho Major e organizam uma revolução que visa expulsar o algoz e se apropriar da fazenda. Com esse ideal em mente, todos os animais declaram guerra para os seres humanos e formulam os próprios mandamentos, dentre os quais se destaca aquele que diz “todos os animais são iguais”.

Durante algum tempo os bichos vivem de forma solidária e fraterna, mas aos poucos, os porcos, que são os grandes pensadores da revolução, passam a incutir nos demais ideias que visavam aprimorar a vida em comum. No entanto, com o passar do tempo os porcos Bola-de-Neve e Napoleão entram em conflito direto, o que culmina na expulsão de um e na ascensão ao poder do outro. A partir disso, de forma paulatina o líder passa a manipular aquilo que os demais bichos tinham como verdade, o que acaba conduzindo-os para um caminho tortuoso e, aparentemente, sem volta.

Para falar de “A Revolução dos Bichos”, faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito do roman à clef. E se você está se perguntando o que significaria tal expressão, é possível dizer, de uma forma muito simplória, que o roman à clef é uma forma de escrita expressada geralmente por meio do romance, que utiliza pessoas e eventos reais através de nomes fictícios, para que, de forma satírica, leve ao leitor informações importantes a respeito da época e dos costumes vigentes ao tempo das pessoas que lhes serviram de base.

No caso do livro escrito por George Orwell, percebe-se que ele construiu uma sátira ao período de Revolução Russa e a grandes nomes que exerceram um papel relevante nesse acontecimento. E isso se revela principalmente com a constituição dos personagens da história, já que a revolução que ocorre na granja, como a tradução do título da obra entrega, é protagonizada por diversos animais que não querem mais aceitar as condições de vida impostas pelo cruel fazendeiro que lá habita.

Acredito que um dos pontos que melhor entrega a ideia de que a obra de fato se refere a este período da história Russa está na construção dos personagens. Por exemplo, temos Major, um porco velho e sábio que representaria Karl Marx, já que foi ele o responsável por construir os pensamentos idealistas que deram a tônica necessária para que os bichos se rebelassem. Além desse, tem-se ainda os porcos Bola-de-Neve e Napoleão, que personificariam os ideais antagônicos de Trótski e Stálin, respectivamente, o primeiro porque foi alçado a inimigo da revolução, e o segundo por sua sede sanguinária de poder – esse último, inclusive, está sempre acompanhado dos ferozes cães, o que seria uma alusão ao uso da polícia secreta soviética denominada KGB.

Os cavalos Sansão e Quitéria seriam a personificação do proletariado, pois sem entender a totalidade daquilo que está acontecendo e recebendo poucas informações pela “elite” da revolução, continua com a esperança de tempos melhores e por isso trabalham incansavelmente. É interessante observar que a Quitéria ainda tenta questionar e se esforça para compreender os acontecimentos da granja, mas nunca obtém um verdadeiro sucesso em entender a gravidade da situação para ajudar os demais.

No entanto, mais do que ser relevante pelo retrato histórico revelado por George Orwell, “A Revolução dos Bichos” demonstra cabalmente a necessidade ser lido ao tratar de forma muito contundente as relações de poder. Isso, porque, o leitor é conduzido de forma precisa por uma narrativa que demonstra que mesmo os melhores ideais podem ser deturpados quando os responsáveis pela sua execução passam a tratar a causa sob o prisma de possibilidade de favorecimento pessoal. Note que a essência da obra não transmite a mensagem de que o ideal nasce ruim, mas sim que um bom ideal pode ser transformado no pior dos pesadelos se não for executado de forma que melhor prestigie a sua essência.

Essa faceta se revela de maneira muito acentuada quando os porcos, que se autoproclamaram líderes por se considerarem mais inteligentes que os demais (o que se prova certo, apesar da forma maligna utilizada por eles para demonstrar isso) passam a se distanciar dos verdadeiros ideais da revolução e incutir na mente dos demais animais que as coisas que eles imaginavam ser reais, não eram. A manipulação dos outros animais é tamanha, que o hino da revolução passa a ser proibido e os mandamentos dos bichos são modificados para atender as necessidades pessoais dos líderes.

E sabe porque eu falei das relações de poder? Porque acredito que essa seja uma das grandes sacadas da história, já que se retirada a roupagem do roman à clef, seria possível aplicar os acontecimentos criticados em diversos tempos e comunidades. Afinal, há alguém com sede de poder e que usa o poder para não só ludibriar, mas também para massacrar as massas, e outros tantos que colocam a sua fé no bem maior de forma incondicionada e inquestionável. É evidente a lição que a obra nos traz de que devemos sim exercer um pensamento crítico, logo não devemos aceitar tudo o que chega até nós como uma verdade absoluta.

Como é possível perceber, eu poderia passar horas falando a respeito de “A Revolução dos Bichos” e sobre a genialidade de George Orwell para escrever algo tão atemporal. No entanto, encerro por aqui fazendo votos para que cada um que chegou até esse texto se sinta encorajado a ler a obra e refletir não só sobre ela, como também sobre os acontecimentos à sua volta. Infelizmente, o conteúdo desse livro ainda é contemporâneo as situações vivenciadas por diversas pessoas, em vários lugares do mundo. Reflitamos, pois!


Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros - Pág. 106

--- Isabelle Vitorino ---

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