Resenha Especial: Frida, a Biografia por Hayden Herrera

E no Dia Internacional da Mulher, vamos conversar sobre Frida Kahlo.

Título: Frida: a Biografia
Autora: Hayden Herrera
Editora: Globo Livros
Ano: 2013
Páginas: 661
Onde comprar: Amazon | Livraria Cultura | Saraiva
Sinopse: "Finalmente traduzida para o português, Frida – a biografia foi um dos grandes impulsionadores do revival da artista nos Estados Unidos e em todo o mundo a partir de 1983. Como sintetizou a crítica, “Por meio de sua arte, Kahlo fez de si mesma uma artista e um ícone; por meio desta biografia, ganhou também dimensão humana”. Escrito por Hayden Herrera, reconhecida historiadora da arte, o livro traz, além da intimidade da história de Frida, detalhadas descrições e interpretações dos quadros de Kahlo, escritas com o rigor e a acuidade de uma especialista, mas também com a clareza, a fluidez e a sedução de uma amante dessa arte."


Meus avós, meus pais e eu - 1936
"Frida: a Biografia" foi escrito pela jornalista Hayden Herrera e teve sua primeira edição brasileira em 2011, traduzida por Renato Marques para a editora Globo. Narra a história de Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, nascida (segundo sua certidão de nascimento) em 6 de julho de 1907 (tendo adotado posteriormente o ano da eclosão da Revolução Mexicana, 1910, como ano de nascença) na "casa azul da rua Londres", em Coyoacán, México. Seu pai, Guilhermo Kahlo, era um próspero fotógrafo contratado pelo governo mexicano para registrar a herança arquitetônica do país. Sua mãe, Matilde Calderón, era colega de trabalho de Guilhermo na joalheria La Perla, um dos empregos pelos quais ele passou nos treze anos que viveu no México antes de ter seu trabalho como fotógrafo reconhecido. 

Eles pedem aviões e ganham
assas de palha - 1938
A infância de Frida foi marcada pela doença: aos 6 anos, contraiu poliomielite, o que lhe rendeu nove meses trancada em seu quarto e sequelas na perna e no pé direito que lhe acompanharam por toda vida.

É também dessa época que se forma uma dos traços mais marcantes de sua personalidade: a máscara de personagem para esconder sua dor interior. Frida, que antes da doença era uma criança travessa e expansiva, passou a ser introvertida, ensimesmada e a buscar conforto em amigos imaginários.

Os efeitos físicos da polio forçaram seu isolamento e a tornaram diferente das outras crianças, mas lhe possibilitaram a prática esportiva (incomum para "meninas respeitáveis" na época), o que se tornou mais um traço de distinção das outras crianças.

Com 15 anos Frida ingressou na Escola Nacional Preparatória, tida como a melhor do México, sendo uma das 35 meninas integrantes do corpo discente de mais de 2 mil alunos. Longe dos pais pela primeira vez, ela teve seus primeiros contatos com o México moderno e a Revolução Mexicana. Foi onde começou a pintar, onde conheceu seu primeiro namorado - Alejandro, líder dos Cachuchas (um dos grupos de amigos da Preparatória) e Diego Rivera, seu futuro marido.

 Aos 18 anos, Frida sofreu o acidente que despedaçou seu corpo e sua alma: a colisão entre um ônibus de madeira, onde ela estava, e um bonde.

"É mentira que a pessoa tem consciência da batida, é mentira que a pessoa chora. Em mim não houve lágrimas. A colisão nos jogou para a frente e um corrimão de ferro me varou do mesmo jeito que uma espada rasga a carne do touro."

Único registro de Frida sobre o acidente
Segundo Hayden, Frida teve a coluna quebrada na região lombar, em três lugares. Fraturou a terceira e quarta vértebra, quebrou a clavícula, teve o pé direito esmagado (onze fraturas), sofreu luxação no cotovelo esquerdo e teve a pélvis quebrada em três lugares. Por muito tempo, os médicos duvidaram que ela sobreviveria ou voltaria a andar. 

Autorretrato - 1926

Foi depois do acidente que Frida fez sua primeira pintura séria e também seu primeiro autorretrato, como presente para Alejandro. Pelas cartas que trocava com o namorado, percebemos o quanto sua saúde estava debilitada e piorava a cada dia. Desde o acidente Frida passou por uma sucessão de cirurgias e coletes de gesso, na tentativa de diminuir suas dores e curar seu corpo. Ela nunca conseguiu essa paz, mas lutou até o seu último dia. É também pelas cartas que identificamos o desejo ardente e imorredouro de Frida pela vida, por desfrutá-la e experenciá-la independente de suas limitações físicas. É também onde notamos o quanto ela sofreu para entender (e aceitar) que sua força de vontade não seria suficiente para viver plenamente e sem restrições.

Em casa, 1952 - pintando em cavalete adaptado
 pela mãe desde a época do acidente.

Hayden nos mostra o quanto a pintura foi imprescindível à Frida: como válvula de escape, autoafirmação, como forma de autoconhecimento, imortalidade, sustento, como voz para todas as Fridas dentro de si. A medida que foi envelhecendo, pintar se tornou cada vez mais indispensável para Frida Kahlo.

"...a mim não era permitido realizar os desejos que todo mundo considera normais, e pra mim nada pareceu mais normal do que pintar o que não havia sido realizado… minhas pinturas são… a mais franca expressão de mim mesma, sem levar em consideração julgamento ou preconceitos de quem quer que seja. Pintei pouco, sem o menor desejo de glória ou ambição, mas com convicção de que, antes de qualquer outra coisa, eu queria me dar prazer e, depois, de que eu quero ser capaz de ganhar a vida com minha arte… muitas vidas não seriam suficientes para pintar da forma como eu desejaria e tudo aquilo de que eu gostaria."

Mas estou me adiantando... vamos voltar para outro dos grandes acontecimentos da vida de Frida: Diego Rivera, o muralista mais famoso do México. 

Frida e Diego Rivera, 1931
O namoro com Alejandro terminou quando este se apaixonou por uma amiga de Frida. A essa altura ela já havia se recuperado o suficiente para continuar sua vida (exceto no âmbito amoroso) com o entusiasmo que sempre lhe foi característico. Existem várias versões para o primeiro encontro entre Diego e Frida, e a que ambos contam foi a de quando Frida mostrou suas pinturas a Diego enquanto este trabalhava em um afresco no Ministério da Educação. 

Diego também era conhecido como conquistador, boêmio e contador de histórias meio fantasiosas. Seus incontáveis casos com belas mulheres circulavam o México. Não foi um problema para Frida (a príncipio), se viam cada vez mais e dividiam o amor pela arte e o Comunismo.  

Fotografia do dia do casamento,
21 de agosto de 1929
Casaram no dia 21 de agosto de 1929, em uma cerimônia civil celebrada pelo Prefeito da cidade, onde só compareceram três testemunhas: uma cabeleireira, um médico e um juiz - além do pai de Frida. Apesar de parecer ser, o relacionamento dos dois nunca foi um romance idílico. Discussões, rompimentos, ciúme, dependência financeira e psicológica - formam um retrato mais fiel do enlace dessas duas grandes personalidades. 

Nos primeiros anos de casada Frida mal pintou. Sua dedicação à Diego era exclusiva e ela  não tinha muita confiança em seu talento como pintora, considerava como naïf o seu estilo (assim chamada a técnica dos artistas que não possuíam formação acadêmica), entretanto, opinou e aconselhou o marido em muitos de seus trabalhos. Foi uma união de amor e sofrimento, mas sobretudo de mútua admiração.

"Ela é uma pessoa cujos pensamentos e sentimentos não sofrem restrição de qualquer tipo de limitação a eles impingido por falsas necessidades de conformidade social burguesa. Ela sente profundamente todas as experiências porque a sensibilidade de seu organismo ainda não foi entorpecida pela estafa excessiva do tipo que leva à dissolução de faculdades inatas. [...] Frida despreza mecanismos, e portanto tem a resiliência com a qual um organismo primitivo trava contato com as experiências mais fortes e sempre variadas da vida ao seu redor." - Rivera

Autorretrato como tehuana, 1943

Frida se ligava cada vez mais às tradições mexicanas, seus trajes e sua linguagem eram nativos, até sua pintura sofreu essa influência. E por isso, quando, por pressões políticas, Diego saiu do México e a levou junto,  Frida sentiu imensamente essa separação das raízes que tanto cultuava. Mas nem tudo foi tão ruim como ela fazia crer: foi no exterior que Frida fez a primeira exposição de suas obras, que fez grandes amigos que levaria para o resto de sua vida e que pôde tratar sua saúde com uma medicina mais moderna que a de sua terra natal. Mas essa medicina não foi capaz de curá-la, nem de realizar um profundo desejo do seu coração: ter filhos.

Hospital Henry Ford, 1932
Devido a fratura na pélvis no acidente de 1925, Frida sofreu sucessivos abortos e, segundo Hayden, pelo menos três abortos cirúrgicos. Esse foi um tema recorrente em sua obra, o fascínio pela fertilidade e a dor por não poder ter filhos são visíveis em várias telas de Frida. Talvez o mais impressionante (e segundo Hayden, o primeiro de uma série de autorretratos sangrentos e horripilantes) seja o "Hospital Henry Ford", feito após passar 13 dias nesse hospital, em consequência de mais um aborto. Nas palavras de Rivera:

"Frida começou a trabalhar numa série de obras primas sem precedentes na história da arte – pinturas que exaltam as qualidades femininas da resistência, realidade, crueldade e sofrimento. Nunca antes uma mulher tinha colocado numa tela tanta poesia agônica como Frida fez naquele período em Detroit."

Autorretrato na fronteira entre o México e 
os Estados Unidos. - 1932
Nesse período conturbado, longe do seu amado México, Frida começa a perceber o valor real do seu talento. Em Paris (cidade onde ocorreu sua primeira exposição), conhece artistas como Breton, Duchamp, Picasso. A todos, Frida é apresentada (e reconhecida) como pintora surrealista. Mas ela discorda:

"Pensavam que eu era surrealista. Mas não sou. Eu nunca pintei sonhos. Eu pintei a minha própria realidade."

Frida e Trostky, 1937
Outro ponto bastante controvertido da história de Kahlo foram seus inúmeros casos amorosos. Tendo o cuidado de escondê-los de Diego (delicadeza que ele não tinha para com ela), ela teve vários amantes durante os longos anos de casamento/separações/reconciliações/relacionamento aberto com Rivera. Frida amou intensamente homens e mulheres, incluindo Leon Trostky, líder bolchevique que foi acolhido por Diego e Frida quando do seu exílio, em 1937. 

Autorretrato, 1940
Mas o grande personagem criado por Frida não encobria totalmente seus sofrimentos: as limitações e o lento declínio físico, a dor do amor espinhoso por Diego (com ênfase na traição de Rivera com sua irmã Cristina, que mesmo perdoada, sempre lhe foi dolorida), as idas e vindas de seus casos,  a falta que sentia da mãe falecida e de ter filhos. Esta última, Frida tentava compensar com a imensa coleção de bonecas e casas de bonecas, junto aos numerosos animais de estimação criados pelo casal. Os demais, eram supridos com álcool. 
"Eu bebia porque queria afogar minhas mágoas, mas agora essas desgraçadas aprenderam a nadar, e agora a decência e o bom comportamento me deixam aborrecida!"

Frida com três de seus alunos, 1948. 
Da esquerda par a direita:
Fanny Rabel,  Arturo Estrada e Arturo García
O amor por crianças que Frida nutria também se manifestou nos anos em que lecionou arte para os pequeninos. Em 1942, Kahlo tornou-se parte do corpo docente da Escola de Pintura e Escultura do Ministério da Educação Pública (La Esmeralda), e transmitiu não técnicas ou regras, mas a sua paixão pelas raízes mexicanas e a busca do autoconhecimento como meio para que os talentos de cada um se desenvolvessem livremente. Mais tarde, quando as dores físicas não permitiram mais que Frida fosse à escola lecionar, quatro de seus alunos, posteriormente apelidados de "Los Fridos", passaram a ter aulas em sua casa em Coyoacán - e de acordo com Hayden, chegaram a formar uma agremiação de pintores esquerdistas, com cerca de 47 membros, que partilhavam o ideal de levar a arte para o povo.

A coluna partida, 1944
Os último anos de vida de Frida foram marcados por uma sucessão de coletes de gesso, pareceres médicos, cirurgias - e sua arte refletiu tudo isso. Sua resistência à dor em contrapartida à obsessão pelo sofrimento e a consequente solidão de seu martírio a marcaram profundamente em seu corpo e em sua alma. Sua pintura ficou mais sombria e, nas palavras de Hayden:
"Uma pessoa que esteve tão perto da morte não precisa de magenta para se sentir viva; para ela, mesmo o bege, o marrom, o preto e o cinza são vibrantes."

Frida passou a ter impulsos suicidas. Ao mesmo tempo em que buscava apoio na personagem que criou ao longo dos anos - a Frida forte, desafiadora, audaciosa, a mulher mexicana apaixonada pela vida - todo o tormento causado pela dor constante, o tédio e os longos momentos de isolamento forçado em casa foram minando sua vontade de viver.

Árvore da esperança, 1946
Em 1953, os médicos decidiram amputar a perna direita de Frida (a perna do pé atrofiado pela polio na infância) para deter a gangrena que a acometia. Por fora, ela dizia alegremente aos amigos "sabiam que vão arrancar a minha pata?", por dentro, em seu diário, Frida escrevia que queria morrer. 

"Amputaram-me a perna há 6 meses, deram-me séculos de tortura e há momentos em que quase perco a razão. Continuo querendo me matar. O Diego é que me impede de fazer isso, pois a minha vaidade me faz pensar que ele sentiria a minha falta. Ele me disse isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a minha vida.Vou esperar mais um pouco."

Frida não deixou de pintar, apesar de não o ter feito de forma contínua, prosseguiu até ser forçada a parar pela dor. 

"Para Frida, pintar era, afinal, uma espécie de cirurgia psicológica."

Compareceu, apesar de seu estado de saúde extremamente debilitado, à sua última exposição, em 1953, deitada em uma maca, usando traje e jóias nativos. No dia 13 de julho de 1954, Frida faleceu. Embolia pulmonar foi a causa de sua morte. Deixou em seu diário, como última anotação, seguida do desenho de um anjo negro no céu:
"Espero a partida com alegria - e espero nunca mais voltar - Frida."


Hayden Herrera escreveu uma biografia excelente. Permeou a história da vida de Frida com o contexto histórico da época e de todas as pessoas que foram importantes para Kahlo. Nos mostrou a menina, a personagem, a mulher, a pintora - a Frida descrita por ela mesma e por todos que a amaram. A inserção de fotografias de sua vida e imagens de seus desenhos e telas foi oportuna e esclarecedora. O que mais me chamou atenção - e consequentemente o que mais admirei - foram as leituras/descrições minuciosas de suas telas, revelando um profundo entrelaçamento entre arte, sentimentos e vida. E realmente, uma biografia de Frida Kahlo não poderia ser diferente. Nas palavras da própria Hayden:

É impossível separar a vida e a obra dessa pessoa tão singular. Suas pinturas são sua biografia.


--- Mariane Brandão ---



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