Resenha Especial: A Redoma de Vidro por Sylvia Plath

Alguns livros possuem tamanho poder que podemos considerá-los como algo mais, ainda que seja difícil especificar esse "a mais". Depois de ler Sylvia Plath, sinto que a maneira que observo as pessoas ao meu entorno se modificou. O porquê disso? Vocês conferem na resenha de hoje!

Título: A Redoma de Vidro
Autor (a): Sylvia Plath
Editora: Biblioteca Azul
Páginas: 280
Ano: 2014
Onde comprar: Amazon | Saraiva | Submarino
Dos subúrbios de Boston para uma prestigiosa universidade para moças. Do campus para um estágio em Nova York. O mundo parecia estar se abrindo para Esther Greenwood, entre o trabalho na redação de uma revista feminina e uma intensa vida social. No entanto, um verão aparentemente promissor é o gatilho da crise que levaria a jovem do glamour da Madison Avenue a uma clinica psiquiátrica. Assim como a protagonista, a autora foi uma estudante com um histórico exemplar que sofreu uma grave depressão. Muitas questões de Esther retratam as preocupações de uma geração pré-revolução sexual, em que as mulheres ainda precisavam escolher se priorizavam a profissão ou a família, mas A redoma de vidro segue atual. Além da elegância da prosa de Plath, o livro extrai sua força da forma corajosa como trata a doença mental. Sutilmente, a autora apresenta ao leitor o ponto de vista de quem vivencia o colapso. Esther tem uma visão muito crítica, às vezes ácida, da sociedade e de si mesma, mas aos poucos a indiferença se instaura, distanciando a moça do mundo à sua volta. 

Esther não era qualquer garota. Ela era empenhada em conquistar o mundo e para isso sempre lutou pelos seus ideais. Saindo do interior para fazer universidade, dentro daqueles corredores ela aprendeu a ser persuasiva e em decorrência de seu empenho ganhou uma bolsa para estagiar em uma prestigiada revista de Nova York. Estando na cidade, os sonhos de uma moça do interior passaram a tomar forma diante dos seus olhos e logo a vida intensa de uma metrópole começa a lhe ditar a maneira de viver e de agir.

Aos poucos, Esther vai percebendo que a realidade nem sempre corresponde ao que se idealizou e que muitas vezes uma vida de glamour está irremediavelmente associada ao uso de máscaras que não revelam quem de fato se é. Com o espírito perturbado não só pelo presente, como também, pelo seu passado e futuro, logo uma ideia começa a se fixar na sua mente ainda que não saiba como executá-la. Quando volta a Boston e entra em uma rotina pacata, a vontade de abrir mão de tudo nunca pareceu tão atraente e é a isso que ela se dedica enquanto todos parecem seguir as suas vidas.

Escrever sobre um livro tão forte quanto "A Redoma de Vidro" não é nada fácil. Ainda mais quando se consegue enxergar tanto de si mesmo na personalidade de uma personagem que está no limiar da sua sanidade mental. Diferente do que se pressupõe inicialmente, Esther não dá sinais claros de instabilidade desde o princípio, pelo contrário, nas páginas iniciais é possível acompanhá-la no momento que ela considera como sendo a coroação de todo o seu esforço. Entretanto, a semente está ali ainda que não se possa nomeá-la.

Uma das coisas que mais me chamaram a atenção em Esther foi o seu profundo distanciamento do seu entorno. Para ela, não bastava conquistar o que muitas mulheres de sua época apenas sonhavam, ela precisava fazer isso com perfeição independente do que tivesse que fazer para isso. Ela ignorava pessoas boas demais e gostava daquelas que revelavam suas verdadeiras faces sem se utilizar de subterfúgios que os maquiassem. 

É por isso que guarda um profundo rancor daquele que imaginou ser o homem com quem casaria. Diferente do que ela esperava, ele era hipócrita e essa descoberta a inquieta a tal ponto que prefere continuar uma vida à procura de um par do que se adequar as mentiras dele. Ela era melhor que isso e sabia perfeitamente disso, nunca se omitiu a falar o que pensava de modo verdadeiro sobre as pessoas e tinha um jeito até mesmo cru de o fazê-lo.

Esther não queria bajular ninguém, queria apenas a pura essência da verdade. Mas em uma cidade como Nova York isso é algo difícil de se encontrar e estando lá, algo se rompe nela. Tanto o é, que é na sacada de seu quarto que ela dá adeus a Esther que ela construiu durante os anos e saúda uma nova ainda mais ácida e decidida. Isso não seria de todo ruim senão fosse a sua obstinação de ceifar a sua vida e pôr fim às inquietações de sua mente que parecem querer fazê-la refém.

Acompanhá-la durante esse processo é algo tremendamente assustador e não só porque sabemos que esse livro é considerado por muitos como uma espécie de autobiografia da própria Plath que se suicidou após anos de luta contra a depressão, mas também porque percebemos que o limiar que separa a sanidade da loucura é algo tão tênue quanto a mudança do dia para a noite. Confesso que durante todos os instantes que estive com a Esther tentei entender os motivos que tiraram dela a vontade de viver ao mesmo tempo que me ressentia pelo seu desejo tão inabalável de compartilhar seu suicídio sem dizer nada sobre as suas razões.

Por isso o sentimento que predomina durante toda a leitura é o pesar. É impossível não sofrer por ela e não torcer para que ela encontre alguma razão que a faça continuar. Sem sombra de dúvidas essa foi uma leitura dolorosa para mim. Estar dentro da realidade dela – ainda que ela consiga esconder coisas extremamente importantes – foi como ter um peso pressionando o meu estômago continuadamente até que eu desse um último suspiro. Todavia, ao fim pude entendê-la e me libertar da sensação paralisante de não saber como e porquê continuar, que a Sylvia Plath me colocou com a sua escrita discreta, elegante, porém, visceral.

– Neurótica, ha! – eu disse, soltando uma gargalhada de desprezo. – Se ser neurótico é querer ao mesmo tempo duas coisas mutuamente excludentes, então eu sou uma baita de uma neurótica. Vou ficar correndo de uma coisa mutuamente excludente pra outra pelo resto da minha vida. Pág. 106

--- Isabelle Vitorino ---

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