Resenha: 47 por Walter Mosley

É sempre bom pegar um livro na estante sem saber o que o seu conteúdo reserva e ser surpreendida com uma história que além de fazer refletir, encanta e emociona. Mas eles são tão raros que foi com certa incredulidade que eu notei que ‘47’ tinha tudo para fazer parte desse seleto grupo.

Título: 47
Autor: Walter Mosley
Editora: Galera Record
Páginas: 240
Ano: 2008
Onde comprar: Saraiva | Submarino
Em seu primeiro livro juvenil, Walter Mosley combina acontecimentos históricos e ficção em uma poderosa narrativa sobre a liberdade. 47 é um menino escravo que vive sob o olhar de um cruel feitor. Sua vida parece condenada até o dia em que ele conhece um escravo fugitivo, Tall John, que irá despertar em 47 o desejo de lutar pela própria liberdade. 

Um garoto sem nome, sem voz, nem vez. É assim que 47 se sente quando é mandado para trabalhar nos campos de algodão ainda criança. Contudo, desde a mais tenra idade ele já imaginava que seria esse o seu destino, já que sendo negro e filho órfão de escravos, não havia nenhum sonho infantil que pudesse se sobrepor a dura realidade que o cercava e o aguardava nas mãos de um homem branco que se autodenominava seu dono. Ele só não esperava que as coisas fossem tão piores do que ele supunha ser quando ainda podia contar com os carinhos da Mama Flore, pois cercado de sofrimento e de homens endurecidos pela dor, aos poucos ele se vê forçado a crescer e a deixar de lado a inocência que sempre o acompanhou. Entretanto, antes que sua mente se nublasse completamente pela humilhação de ser tratado como um animal, 47 conhece Tall John, um garoto perspicaz, que fala como um senhor e que está disposto a salvá-lo do seu terrível destino.

Há algum tempo eu tinha a mania esquisita de comprar livros de autores que eu não conhecia, conduzida – somente – pela emoção que o título ou o design da capa me despertava. Foi dessa maneira que ‘47’ veio parar na minha estante. E posso dizer que mesmo depois de ter permanecido tanto tempo lá, no decorrer da leitura ele se mostrou um livro tão repleto de delicadeza e inocência – apesar de ter como foco a escravidão –, que foi impossível não sentir uma pontada de irritação por não tê-lo lido antes.

Principalmente porque mesmo se tratando de um livro infanto-juvenil, o autor Walter Mosley conseguiu colocar na sua história toda a dualidade de sentimentos que alguém vítima da escravidão pode sentir através do olhar inocente de um garoto que cresceu sem pai e mãe, e aprendeu desde muito cedo a se achar alguém inferior por causa da cor da sua pele. Foram tantas as vezes em que li a palavra ‘negro’ sendo empregada como um termo pejorativo – que não só inferiorizava a pessoa, como também, minava dela todo e qualquer pensamento de igualdade –, que eu fui me sentindo mais e mais oprimida por aquele abuso psicológico. Contudo, o que mais me deixou boquiaberta ao acompanhar a jornada de 47, foi a maneira ultrajante com que os brancos assumiam uma postura senhorial, enquanto os escravos dormiam acorrentados e trabalhavam de sol a sol nos campos de algodão como se tivessem nascido com um único propósito: o de trabalhar incessantemente.

A submissão deles é tão palpável que é impossível não se sentir tocada com a história de cada um dos personagens apresentados, entretanto, infelizmente o autor escorregou feio no enredo com o personagem Tall John. Ele que se mostrava desde o princípio como aquele que viria salvar os escravos da Geórgia, acaba se mostrando a ponte que o autor necessitava para levar o seu livro ao nível nada agradável da fantasia e tirando uma parte da credibilidade que ele havia conquistado comigo quando seu enredo era apenas voltado para falar sobre a escravidão. E não, vocês não leram errado. Walter Mosley realmente decidiu que seria bacana colocar zumbis e alienígenas em uma história que tinha tudo para ser profunda e tocante... Foram tantas as bizarrices que eu li a partir do momento que 47 encontra com o Tall John que eu não tive alternativa a não ser tentar aceitar que aquilo poderia ser real de alguma forma (confesso que acabei desenvolvendo a teoria de que tudo não passava de uma alucinação de 47) para não me frustrar ainda mais com esse deslize intencional do autor.

Ainda mais, porque minha mente não conseguia assimilar todas as coisas esquisitas que o autor criou para a sua história. Se não fosse a delicadeza com o qual ele tratou esse episódio repugnante da história mundial e a maneira natural com que ele escreveu os diálogos dos personagens através do regionalismo – que é bem característico de autores como Jorge Amado na nossa literatura –, o livro teria sido uma experiência bem frustrante para mim. Diante disso, posso dizer para o leitor que não vê problema algum em ler algo fantástico em meio a um livro que retrata algo tão forte quanto a escravidão, que você – provavelmente – terá uma ótima experiência com ‘47’. Entretanto, se você pensa como eu e acha que tem que haver certa moderação na hora de misturar gêneros literários em uma obra, segue meu conselho: comece a leitura preparado para ser surpreendido a cada segundo com a criatividade do autor, que ao que parece, não tem limites.

Um escravo alimenta os sentimentos mais diversos por quem o escraviza porque essa pessoa tem poderes de vida e morte sobre ele. Ao mesmo tempo em que odeia seu senhor, o escravo reza para que ele se mostre misericordioso. Pág. 202

Playlist:


--- Isabelle Vitorino ---

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