Resenha Especial: Auto da Compadecida por Ariano Suassuna

Sou pernambucana e todos os integrantes deste blog são nordestinos. Amamos a cultura popular dessa região e, nada mais coerente, do que exaltá-la. Assim, hoje venho falar um pouco sobre uma das minhas histórias favoritas: Auto da Compadecida.


Título:
Auto da Compadecida
Autor: Ariano Suassuna
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 280
Ano: 2018
Sinopse: "O 'Auto da Compadecida' consegue o equilíbrio perfeito entre a tradição popular e a elaboração literária ao recriar para o teatro episódios registrados na tradição popular do cordel. É uma peça teatral em forma de Auto em 3 atos, escrita em 1955 pelo autor paraibano Ariano Suassuna. Sendo um drama do Nordeste brasileiro, mescla elementos como a tradição da literatura de cordel, a comédia, traços do barroco católico brasileiro e, ainda, cultura popular e tradições religiosas. Apresenta na escrita traços de linguagem oral [demonstrando, na fala do personagem, sua classe social] e apresenta também regionalismos relativos ao Nordeste. Esta peça projetou Suassuna em todo o país e foi considerada, em 1962, por Sábato Magaldi 'o texto mais popular do moderno teatro brasileiro'."

João Grilo e Chicó são amigos inseparáveis. Ambos dividem das mesmas desventuras ao trabalhar para um padeiro, pouco esperto mas muito apaixonado por sua mulher, em uma pequena cidade do interior nordestino. E como se não bastasse todos os maus tratos dos patrões, agora eles precisam resolver uma difícil situação: convencer o padre a benzer o cachorro da mulher do padeiro que está  à beira da morte. 

Inteligente como ele só, João Grilo prepara uma armadilha para o padre envolvendo o nome do Major Antônio Moraes, um importante senhorio da região, mas tudo acaba em uma grande confusão. A confusão só não é maior do que aquela que sucede a aparição de cangaceiros liderados por Severino, que promovem não só um verdadeiro arrastão na cidade, como também uma chacina que só se resolve no julgamento dos mortos presidido por Deus, contando com o Diabo na acusação e Nossa Senhora na defesa.

Ariano Suassuna nasceu na Paraíba, mas viveu muitos anos em Pernambuco. Defensor da cultura popular, liderou a criação do Movimento Armorial, em meados da década de 70, como forma de se opor ao estrangeirismo e enaltecer o patrimônio cultural nacional - independente das criações serem produto ou não do Nordeste. Em que pese "Auto da Compadecida" ter sido escrito muitos anos antes do surgimento desse movimento, é impossível não identificar na peça alguns dos seus elementos característicos, em especial, os contornos do regionalismo presentes na narrativa.

Um dos pontos que é interessante ressaltar está ligado às inspirações do dramaturgo na confecção de sua história. Isso, porque, essa peça traz alguns aspectos de três folhetos, a saber, "O Dinheiro", que narra o enterro de um cachorro promovido por um reverendo com o auxílio de um vigário e que recebe o aval do bispo após este saber da quantia em dinheiro que lhe foi deixada pelo animal, "História do cavalo que defecava dinheiro", que aponta a existência de um cavalo que expelia minérios de grande valor, e "O Castigo da Soberba", que trata da intercessão de Nossa Senhora em um julgamento de uma alma.

Outro aspecto possível de encontrar não só nesta peça, como também em outras obras de Suassuna, é o realismo mágico, notadamente sertanejo, que mescla a vida do interior com acontecimentos sobrenaturais. É, portanto, uma obra marcante e que oferece ao leitor doses de questões morais diluídas em pitadas um humor ácido e contundente.

Apesar de já ter assistido diversas vezes a adaptação para o cinema e para a televisão dessa história, isso não tirou a minha empolgação em acompanhar as desventuras de João Grilo e Chicó, pelo contrário, observar o desenrolar dessa história no formato idealizado pelo dramaturgo me fez entender ainda mais das críticas sociais contidas em seu texto e ter uma afeição muito amor por esses personagens que já me eram tão queridos.

Gosto especialmente dos contrastes dos personagens e da ideia de que ninguém é de todo bom nem de todo mal. João Grilo, por exemplo, ao mesmo tempo em que ele é extremamente sagaz e consegue articular muito bem aquilo que deseja, não teve oportunidades da vida e é, acima de tudo, um sobrevivente. Já Severino, o líder do cangaço, é um homem impiedoso, mas que tem a sua própria violência como reflexo daquela que lhe vitimou. Além dessa dualidade, outros aspectos também são tratados na peça, tais como, a religiosidade e o racismo.

Esses são apenas alguns dos temas tratados em "Auto da Compadecida" que eu gostaria de compartilhar com vocês como uma forma de incentivá-los a ler a obra de Ariano Suassuna ainda que conheçam cada frase icônica propagada pelas adaptações ("não sei, só sei que foi assim"). E, como argumento final, vou fazer uma confissão: este foi o primeiro livro que li esse ano que me fez dar gargalhadas e trazer um pouco de luz para esses tempos sombrios que estamos vivendo.

É verdade, o cachorro morreu. Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tu  do o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre! - Págs. 53-54

--- Isabelle Vitorino ---

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