Resenha Especial: O Apanhador no Campo de Centeio por J. D. Salinger

Se você é um leitor contumaz, provavelmente já deve ter sido deparado com algum texto sobre "O Apanhador no Campo de Centeio", e se você também é um curioso de assuntos criminais, em algum momento encontrou alguma menção à essa obra. Diante dessa complexidade, é com muita cautela que eu abraço a missão de falar sobre a obra de Salinger.

Título:
O Apanhador no Campo de Centeio
Autor: J. D. Salinger
Editora: Todavia
Ano: 2019
Páginas: 256
Sinopse: "É Natal, e Holden Caulfield conseguiu ser expulso de mais uma escola. Com uns trocados da venda de uma máquina de escrever e portando seu indefectível boné vermelho de caçador, o jovem traça um plano incerto: tomar um trem para Nova York e vagar por três dias pela grande cidade, adiando a volta à casa dos pais até que eles recebam a notícia da expulsão por alguém da escola. Seus dias e noites serão marcados por encontros confusos, e ocasionalmente comoventes, com estranhos, brigas com os tipos mais desprezíveis, encontros com ex-namoradas, visitas à sua irmã Phoebe -- a única criatura neste mundo que parece entendê-lo -- e por dúvidas que irão consumi-lo durante sua estadia, entre elas uma questão recorrente: afinal, para onde vão os patos do Central Park no inverno? Acima de todos esses fatos, preocupações e pensamentos, paira a inimitável voz de Holden, o adolescente raivoso e idealista que quer desbancar o mundo dos "fajutos", num turbilhão quase sem fim de ressentimento, humor, frases lapidares, insegurança, bravatas e rebelião juvenil."

Holden Caulfield é um jovem abastado que acabara de ser expulso da escola pela segunda vez. A sua dificuldade em lidar com os seus colegas, o sentimento de deslocamento e a ausência de interesse em se dedicar aos estudos, certamente contribuíram para isso. No entanto, ele não queria voltar para casa antes do Natal, assim, decide pegar suas economias e perambular por Nova York antes da data fatídica. Nessa jornada solitária, ele fala sobre a sua vida, sua família e, principalmente, suas percepções sobre um mundo que ele odeia.

"O Apanhador no Campo de Centeio" não é um livro de fácil de leitura. Embora tenha se tornado popular entre o público jovem, por retratar um recorte na vida de um adolescente e por trazer questionamentos que invariavelmente são feitos nesta fase, há algumas camadas no texto que demonstram que Salinger tinha grandes e tortuosas questões para tratar.

A primeira impressão que tive de Holden Caulfield foi de que ele era um mentiroso pessimista. Me explico. Desde o início da obra o personagem mostra que consegue mentir com muita facilidade e sem qualquer peso na consciência. Essas mentiras não são contadas para tirá-lo de qualquer situação comprometedora, mas pelo simples fato de que ele não quer falar a verdade para ninguém - muitas vezes até para ele mesmo. Como se esse traço de personalidade não fosse suficiente, ele foi associado à uma visão nada simpática da vida e da sociedade, cuja maioria dos integrantes são concebidos como "fajutos".

Logo, temos um protagonista que tem uma visão crítica do seu entorno, porém contaminada pelo pessimismo. E isso, por si só, se torna um verdadeiro desafio para o leitor graças à construção da narrativa no formato de fluxo de consciência. Além disso, tendo acesso tão somente aos pensamentos de Holden, a leitura muitas vezes é cansativa porque para ele não há nada de bom no mundo, com exceção de pouquíssimas coisas e pessoas, e ele faz questão de mostrar o quanto tudo lhe incomoda.

Um aspecto da construção que também considero relevante são as divagações constantes de Holden. O personagem tem muita dificuldade de se ater a uma linha narrativa e mesmo quando está falando sobre o que aconteceu no seu dia invariavelmente seus pensamentos seguem por outro caminho e ele passa a tratar de coisas que não possuem uma relação aparente com o momento presente. Apesar de ter tido dificuldades em me acostumar com esse traço narrativo, é por meio dele que nos inteiramos sobre as crises de ansiedade experienciadas por ele, a ausência de simpatia com as pessoas à sua volta e uma  verdadeira apatia perante a vida.

Sim, Holden é um rebelde, mas não um rebelde que pensa em formas de intervir na sociedade em que está inserido, ele está mais para um que enxerga o mundo de forma cínica e que despreza aquilo que confronta a pureza, bondade e inocência que ele conserva como verdadeiros ideais. Isto é, há uma crítica feroz à sociedade e à forma como ela está sendo desenvolvida. 

Também é possível perceber que o escritor faz menções à certos acontecimentos da época por meio de seu personagem, como, por exemplo, uma crítica ao cinema, que se tornava cada vez mais popular, através da ojeriza de Holden à essa arte que ele considera como inferior à literatura e que também é causa de um conflito entre ele e seu irmão D. B., um escritor que se tornou roteirista.

Apesar do pessimismo e da descrença, este também é um personagem sensível. Ele gosta de crianças, especialmente de sua irmã Phoebe, tem curiosidade de saber para onde os patos do Central Park vão durante o inverno, está descobrindo sua sexualidade e... teme crescer. No fundo, um dos aspectos mais pujantes da narrativa é esse medo do amadurecimento e de todos os desdobramentos desse crescimento. Tanto é, que ele não consegue se comprometer com a escola, idealizar o futuro ou qualquer coisa similar, o que ele quer é uma rota de fuga.

Esses detalhes revelam um possível indicativo do porquê a obra foi tão utilizada como "inspiração" por criminosos: ela mostra um personagem que repele à sociedade e se nega a aceitar o desenvolvimento dela tal qual como é. No entanto, há uma aparente contradição no uso de Holden como símbolo de oposição à grande massa para cometer tais atos porque Holden simplesmente não interfere nas situações que são descortinadas, mas tão somente tece críticas à essas ocorrências. Seu modo de viver é, portanto, apático.

Por óbvio que são possíveis diversas interpretações da obra, aqui, trouxe apenas algumas possibilidades que vislumbrei. Por ser um livro considerado como de leitura fundamental, certamente a multiplicidade de concepções é uma constante, de modo que respeito qualquer opinião que seja diferente da minha. Finalmente, posso afirmar que apesar de Holden ter sido um personagem que não consegui estabelecer um vínculo maior, me sensibilizei com os seus sentimentos e pude entender muitos de seus conflitos internos. Afinal, quem nunca teve medo de crescer, não é mesmo?

[...] O que me derruba mesmo é um livro que, quando você acaba de ler, você queria que o escritor fosse teu amigão de verdade, pra você poder ligar pra ele toda vez que desse vontade. - Pág. 27

--- Isabelle Vitorino ---

Postar um comentário

Obrigada pela visita, dê sua opinião, participe e volte sempre.

- Caso tenha uma pergunta deixe seu e-mail abaixo que respondo assim que o comentário for lido.

- Caso sua mensagem não tenha relação com o post, envie para o e-mail.