Resenha: O Homem do Castelo Alto por Philip K. Dick

A vlogueira Verônica Valadares iniciou em seus vídeos um “mini especial” sobre a segunda guerra mundial. Dentre os dois títulos mencionados, um deles foi o que deu origem à série que ela assistiu e amou. Vamos então nos aventurar por um mundo alternativo, onde os Nazistas ganharam a segunda Guerra Mundial e os EUA foi de “Terra da Liberdade”, para domínio Japonês e alemão.

Título: O Homem do Castelo Alto
Autor: Philip K. Dick
Editora: Aleph
Ano: 2006
Páginas: 304
Onde Comprar: Saraiva
Neste livro que é considerado por muito o melhor trabalho do autor, Dick apresenta um cenário sombrio: a Segunda Guerra Mundial foi vencida pelos Nazistas. O mundo vive sob o domínio da Alemanha e do Japão. Os negros são escravos. Os judeus se escondem sob identidades falsas para não serem completamente exterminados. É nesse contexto que se desenvolvem os dramas de vários personagens. Ao apresentar uma versão alternativa da história, Dick levanta a grande questão: “O que é a realidade, afinal?”

Ambientado nos anos de 60, quase 15 anos após a vitória do Eixo na Segunda Guerra. Nesse mundo, o presidente americano Rooselvelt foi assassinado em 1933 e substituído por seu vice, John Nance Garner e, posteriormente, por John W. Bricker. O problema é que nenhum desses teria sido capaz de sanar a Grande Depressão, fazendo os EUA passar a ter uma política isolacionista¹, o que impediu ao americanos de enviarem tropas para combaterem o Eixo na guerra que, no mundo do livro, se iniciou em 1941. Começando então pela URSS, todos os demais países foram caindo mediante o poderio combinado dos nazistas alemães e japoneses, fazendo com que as duas potências dividissem o poder mundial.



“Mas Marcel, nas minhas aulas de história, meus professores sempre falavam que a Itália também pertencia ao Eixo. O que aconteceu aos carcamanos?”

Sim, eles também tiveram sua parcela no domínio, mas, ao que parece, ninguém nunca se lembra do Mussolini...

A partir disso então, os EUA foi dividido. A parte mais a Leste para a Alemanha, a mais Oeste para o Japão, com uma faixa neutra entre elas.

Após Hitler ter sido incapacitado, devido a Sífilis, o Partido Nazista vota por Martinn Bormann como o novo reich e continuaram a espalhar seu reino de terror. Povos eslavos foram praticamente devastados juntamente com judeus. Povos africanos foram também eliminados e muitos foram utilizados como mão de obra escrava. Grandes campos de concentração continuaram a existir e vários judeus para sobreviverem, por exemplo, se submeteram a procedimentos cirúrgicos para eliminarem as características físicas mais evidentes de sua raça, bem como mudaram seus nomes.

Fora isso, é importante falar também que, apesar de sua vitória, há uma forte tensão entre a Alemanha e o Japão, fazendo com que ambos comecem uma Guerra fria, aos moldes da que os EUA e a URSS após a guerra. Inclusive, um dos pontos que é falado é sobre avanço nas explorações espaciais, o que eu considerei curioso, pois num mundo onde o homem já está viajando a Marte e até começando a cogitar habitar por lá, artigos como a televisão, por exemplo, são ainda itens raros.

Esse então é o panorama geral em que encontramos o mundo, ao iniciar o livro.

Primeiro de tudo, se vocês estão esperando por alguma forma de revolta, desista. Se há algo que Philip K. Dick mostra muito bem nessa história é a capacidade humana de se adaptar, por mais nociva que seja uma sociedade. Até temos uma frente revolucionária, mas que está muito mais voltada ao embate da Guerra Fria que a eliminação do Nazismo propriamente dito. A maioria da sociedade está até bem satisfeita com esse tipo de governo e segue sua vida normalmente.

Segundo ponto para se ter em mente é o ponto religioso. Livros, como a Bíblia, tornam-se praticamente proibidos e muitos acabam por optar o uso do I Ching, uma espécie de oráculo chinês, para importantes tomadas de decisões. Este acaba sendo um livro importante no desenvolvimento de toda a história.

No livro então, seguiremos sob o ponto de vista de 5 personagens distintos que tem maior ou menor grau de inter-relação entre eles, mas que as histórias se passam paralelamente. A história se passa, em sua maior parte, em São Francisco, ou seja, no lado japonês da história. Esses personagens são:

· Robert Childan: Um vendedor de antiguidades, dona da American Artistic Handcrafts. Tem grande renome entra os japoneses, pois vende peças de colecionador da “era de ouro” americana, que são itens considerados banais na América antes da guerra e que despertaram muito interesse nos nipônicos.
· Nobusuke Tagomi: Um representante comercial japonês, cliente do Childan, mas que estará envolvido diretamente na Guerra Fria contra os alemães.
· Mr. Baynes: Um industrial sueco muito rico que vai à São Francisco aparentemente para fechar negócios com o Sr. Tagomi, mas que na verdade tem outros objetivos por trás de sua falsa fachada de comerciante sueco.
· Frank Frink: Um homem comum que trabalhava numa fábrica que reproduzia os itens de colecionador vendidos por pessoas como Childan, mas que acaba por ser demitido e resolve, com ajuda de um parceiro, começar seu próprio negócio. É judeu, mas submeteu-se às técnicas de evasão já citadas, para fugir do governo.
· Juliana Frink: Ex esposa de Frank, a única que não vive em São Francisco, mas na área neutra dos Estados Unidos e vive como professora de judô. Ela será a ponte que nos liga ao outro livro importante dentro da história, “O Gafanhoto Torna-se Pesado” (no original (“The Grasshopper Lies Heavy”).


Como pontos positivos do livro, posso destacar que Phillip K. Dick utilizou diversos temas bastante interessantes, um deles sendo muito característico nosso. Conforme a Verônica comentou em sua resenha do livro, um dos aspectos mais sagazes da história e favoritas dela foi o “complexo de inferioridade cultural” (total assimilação da cultura do dominador por parte do dominante) que, citando a mesma: “Não tem nada que gritasse tanto ‘Brasil, sil, sil, sil...’”.

Principalmente visto pela trama de Childan, que é um vendedor de relíquias americanas, vemos a sociedade estadunidense tão acostumada com a cultura japonesa/alemã que por diversas vezes o próprio personagem tem diversos “surtos” de nacionalidade, por ver que sua nação, antes grandiosa, tornou-se apenas figuras para coleções da ricos comerciantes. Acompanhamos isso também quando Frank e seu parceiro tentam alavancar uma carreira vendendo joias que, na definição dos mesmos, são artigos 100% americanos, com um objetivo de evocar o orgulho dessa nação já praticamente subjulgada.

Outro aspecto mencionado pela Verônica, mas que eu não tinha me atentado, é a idéia de um Ficção Científica trazida de um modo mais filosófico. Como falei na hora de descrever os personagens que moldam a história, além do I Ching, há um livro que tem grande importância na história. O Gafanhoto Torna-se Pesado é um livro best-seller de realidade alternativa que conta para os habitantes desse mundo como teria sido o mundo... Se os nazistas perdessem a guerra (Mas que não é exatamente o nosso mundo). Ou seja, o autor acaba por brincar com realidade alternativa, dentro de seu universo de realidade alternativa, o que faz com que nos perguntemos o que é de fato a realidade. Inclusive, o título do livro faz justamente menção ao autor desse livro dentro da história.

Infelizmente, as coisas boas acabam por aqui.

O livro, apesar dessa premissa interessante, é um tanto enfadonho para ler. Não sei se vocês já chegaram a ter essa sensação, mas esse livro pra mim pareceu, por falta de uma melhor definição, cru. Ele parece muito um esboço de uma ideia, que precisava de mais conteúdo e história para dar “robustez” à trama.

Os personagens são totalmente coadjuvantes de suas próprias tramas e o Childan, por exemplo, é um personagem tão vazio que mesmo os “surtos” mencionados anteriormente, que deveriam ser algo de destaque na história, só me soaram puro orgulho ferido, não da nação, mas de algo que estava acontecendo naquela parte da história.

O final também me deixou muito a desejar, e esse livro implorava, se não por mais conteúdo, por uma continuação, pois me pareceu uma aula de história pela metade.

"O Homem no Castelo Alto" é uma leitura interessante por sua temática, mas que deixa a desejar pela sua execução. Mas que mesmo assim te faz refletir sobre diversos temas nele abordado.


“Levantando-se, foi ao escritório e voltou com dois isqueiros que colocou na mesa.
— Olhe estes. Parecem idênticos, não é? Pois ouça. Um tem historicidade. — Riu para ela. — Apanhe os dois. Um vale uns quarenta ou cinqüenta mil dólares no mercado dos colecionadores.
A garota apanhou cuidadosamente os dois isqueiros e examinou-os.
— Não está sentindo? — mexeu com ela. — A historicidade?
Ela disse:
— O que é "historicidade"?
— É quando uma coisa contém história. Ouça. Um desses dois isqueiros estava no bolso de Franklin D. Roosevelt quando foi assassinado. O outro não estava. Um tem uma tremenda historicidade. Tanto quanto qualquer outro objeto já teve. E o outro não tem nada. Dá para sentir? — Deu-lhe uma cutucada. — Não dá. Não dá para saber qual é qual. Não há nenhuma "presença plásmica", nenhuma "aura" em torno deles.”.

--- Marcel Elias ---

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