Resenha: Eu Sou a Lenda por Richard Matheson

"Eu Sou a Lenda" é aquele tipo de história memorável que mesmo quem não a conheceu de perto, já ouviu falar algo sobre. Sendo marcante em todos os níveis, essa obra de Richard Matheson mostra que nem só de assustar pessoas se compõe um livro de horror.

Título: Eu Sou a Lenda
Autor: Richard Matheson
Editora: Aleph
Ano: 2015
Páginas: 384
Onde comprar: Saraiva | Submarino
Uma impiedosa praga assola o mundo, transformando cada homem, mulher e criança do planeta em algo digno dos pesadelos mais sombrios. Nesse cenário pós-apocalíptico, tomado por criaturas da noite sedentas de sangue, Robert Neville pode ser o último homem na Terra. Ele passa seus dias em busca de comida e suprimentos, lutando para manter-se vivo (e são). Mas os infectados espreitam pelas sombras, observando até o menor de seus movimentos, à espera de qualquer passo em falso... Eu sou a lenda, é considerado um dos maiores clássicos do horror e da ficção científica, tendo sido adaptado para o cinema três vezes.

Robert Neville levava uma vida como a maioria dos americanos, trabalhava, morava em uma casa simples, era casado e tinha uma linda filhinha, mas isso foi antes da praga recair sobre a Terra e destruir tudo o que um dia ele tinha por certo. Recluso dentro de uma casa que ele tinha que reconstruir todos os dias graças aos ataques noturnos das estranhas critaturas que um dia foram humanas, a bebedeira de todos os dias era a única coisa que fazia com que a solidão fosse suportável. Pelo menos era isso que ele achava até o dia em que se deparou com outra criatura que vivia e respirava como ele. Ansiando por respostas que elucidessem o mistério do vírus que transformou a população do mundo em algo sombrio e com sede de sangue, Robert embarca em uma jornada solitária que revelerá muito sobre ele mesmo e como uma lenda pode ser construída ou destruída.

"Eu Sou a Lenda" é considerado um clássico do horror contemporâneo não só pelos críticos literários, como também, por autores de destaque desse segmento. Tanto é que o escritor Stephen King inaugura essa belíssima edição da editora Aleph com um prefácio de encher os olhos no qual ele declara que Richard Matheson foi uma inspiração para ele. Só isso já é prerrogativa suficiente para esperar uma história sensacional, mas nada se compara com a própria narrativa do autor que explora os cantos mais obscuros da mente humana com o seu personagem-herói.  

Foi em decorrência disso que ler "Eu Sou a Lenda" se tornou uma experiência no mínimo inquietante para mim. Isso porque fui levada a considerar uma das hipóteses mais aterradoras: e se houvesse apenas um único homem no mundo? Ao que se sabe o medo da solidão é um dos temores mais antigos sentidos pelo homem, é ele que o impulsiona a buscar a interação social (por menor que ela seja). Sem viver em comunidade, o homem está perdido. Afinal, como iria ocorrer o processo de socialização tão necessário para o aprendizado? Como os elementos essenciais de uma cultura lhe seriam transmitidos? E como se todas essas indagações sociológicas não fossem suficientes, ainda temos aquele inquietamento mais simples, mais vigoroso e mais irracional: o ser humano precisa de companhia.

Na jornada em busca da sobrevivência, Robert Neville mostra muito bem essa necessidade. Tendo que confrontar seus demônios pessoais, não são raras as vezes em que ele teme pelo seu futuro sozinho ao mesmo tempo em que se ressente com a morte de sua esposa Virginia e de sua pequena filha. É por isso que ele está mergulhado em um mar de vingança e busca de todas as formas uma maneira de eliminar para sempre não só os seres infectados, como também, o vírus que disseminou a desgraça pelo mundo. O autor Richard Matheson faz com que a peregrinação de Neville seja algo assombroso. Com poucas cenas em que o personagem está interagindo com outros, passamos pelas páginas da história imersos no relato pessoal da ascensão de uma nova raça e o desaparecimento de outra.

Confesso que quando iniciei a leitura de "Eu Sou a Lenda" ainda restavam resquícios, melhor, flashes do filme lançado em 2007, onde Will Smith interpretou Robert Neville. E olha, só posso dizer uma coisa: que sensação maravilhosa a de poder ver em primeira mão como o livro é superior ao filme. Eu poderia pontuar várias diferenças substanciais, mas prefiro incentivá-los a ler essa obra por outros motivos que não esse. Acredito que um dos pontos mais fortes do livro é levar o leitor a um mergulho profundo nos pensamentos e na alma de Neville. Tudo o que ocorre com ele é facilmente notado como sendo uma reação intrínseca ao ser e que é exteriorizado em decorrência da situação limite que ele está vivendo.

Além de focar massivamente em mostrar para o leitor o ambiente opressor que o seu personagem está vivendo, o autor ensaia algumas teorias um tanto quanto diferentes para explicar a mutação genética ocorrida naqueles que outrora foram humanos. Gostei muito desse mix de teses que ele fez, pois ao mesmo tempo em que ele faz estudos científicos a respeito desses seres, ele também busca dar uma injeção de racionalidade à criaturas que são consideradas totalmente sobrenaturais pela maior parte da literatura. Sem sombra de dúvidas, "Eu Sou a Lenda" é um livro riquíssimo e que oferece muito mais do que alguns momentos de prazer literário, ele vai além pois faz com o que leitor reflita sobre o quão dura a vida pode ser se enfrentada na solidão e como a comunidade (por pior que seja) é essencial para a construção do ser racional, emocional e evolutivo.

[...] até mesmo a tristeza mais profunda enfraquecia com o tempo, até mesmo o desespero mais agudo não cortava mais como antes. A maldição do torturado, pensou, é crescer acostumado até mesmo com o açoite. Pág. 69

--- Isabelle Vitorino ---

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