Resenha Especial: Persuasão por Jane Austen

“Persuasão” foi o último livro escrito por Jane Austen. Por ter sido concluído próximo a data em que se deu os primeiros sintomas da doença que a matou, acredita-se que essa é uma obra inacabada – já que ela não pode ao menos nomear devidamente o seu livro, cabendo ao seu irmão e agente, a tarefa de dar outro que título que não “The Elliots” para essa história. Nesta edição belíssima que a editora Zahar lançou, o leitor tem contato com a edição definitiva e comentada dessa história, bem como, com duas novelas* inéditas aqui no Brasil. Por isso se você quer saber mais detalhes desse livro, não deixe de conferir a resenha de hoje.

Título: Persuasão
Autor (a): Jane Austen
Editora: Zahar
Páginas: 360 (27 a 270)
Ano: 2012
Onde comprar: Saraiva | Submarino

romance se passa na Inglaterra rural, no início do século XIX. Anne Elliot, filha de Sir Walter Elliot, um vaidoso e esnobe baronete, apaixona-se por Frederick Wentworth, um jovem inteligente e ambicioso, mas sem tradições ou conexões familiares importantes. Por esse motivo, é persuadida pela família a romper com ele. Oito anos depois, Anne pensa com mais autonomia e maturidade e o destino fará com que seu caminho e o de seu grande amor se cruzem novamente.


Anne Elliot há muito perdeu o viço da beleza e juventude. Filha de Sir Elliot, cuja vaidade é o norte do seu caráter, ela sente a todo o instante a frieza com a qual o seu pai a trata em detrimento a sua irmã Elizabeth – que possui todas as características que seu pai admira e valoriza. No entanto, mesmo se sentindo subestimada ela não consegue deixar de se preocupar com as dívidas da família que estavam se tornando maiores a cada dia. Por isso quando Lady Russel – amiga de longa data da família – expõe todos os problemas pelos quais a família Elliot passará se não economizar, Anne dá o seu melhor para encontrar uma solução viável para todos. Contudo, por saber que sua ajuda não será estimada por seu pai e por sua irmã, ela permite que sua amiga fale por ela – já que todos consideram Lady Russel uma dama de perfeito discernimento cujos conselhos poderiam ser seguidos sem temor – e em poucas horas se vê envolta de todos os preparativos para uma mudança.

Para Anne era difícil se imaginar tão longe da sua vida pacata em Kellynch Hall, por isso decide não seguir de imediato a sua família e prefere ficar algum tempo com sua irmã Mary em Uppercross – a residência dos Musgrove que estava localizada a poucos quilômetros de sua casa. Mas para sua profunda infelicidade, logo depois ela toma conhecimento de que os inquilinos de seu antigo lar não eram nada menos do que parentes do capitão Wentworth – o homem a quem ela amou de modo profundo no passado, mas que por causa de uma escolha errada de sua parte havia saído de sua vida sem pretensões de voltar. Diante da perspectiva de encontrá-lo a qualquer instante, Anne tenta negar para si mesma todo e qualquer sentimento que ainda possa ter por ele. Porém quando ela é obrigada a estar frente a frente com Frederick novamente, tudo o que ela pensou não existir mais volta com força total e ela tem que encarar as decisões que tomou no passado sendo sincera sobre o que de fato sente.

Ao lermos um livro de Austen é importante termos em mente que cada detalhe da sociedade e dos pensamentos que ela nos apresenta foi um reflexo real daquilo que ela mesma vivenciou no seu cotidiano. Cada olhar, cada dança, cada convite, cada observação, tudo era de tamanha importância para o sucesso ou fracasso de uma relação que o leitor pode facilmente perceber essas nuances em seu texto. Em “Persuasão”, vemos que Anne Elliot se arrepende da decisão que tomou no passado, mas que não vê saída a não ser lidar com todos os sentimentos que a afligem quando ela é obrigada a conviver com o capitão Frederick. Está tão claro que ela é vítima das convenções sociais que por mais que ela tente adiar o momento em que terá que encará-lo, ela sabe que não poderá fugir para sempre do ressentimento que ele nutre por ela, pois a educação e a aparente cordialidade da época exigem que os seus sentimentos sejam colocados em segundo plano em detrimento das aparências.

Nesse sentido, Jane trabalha a dualidade de modo muito notório – apesar da aparente delicadeza. Por isso é necessário que o leitor se atente aos detalhes de sua narrativa para não deixar passar despercebidas as importantes sutilezas de sua escrita. A heroína dessa história, por exemplo, transmite a sensação de que não se ressente da sua decisão de não aceitar o pedido de casamento de Wentworth ao mesmo tempo em que a maior parte dos seus pensamentos são dedicados a refletir a respeito da vida que poderia ter tido com ele e a felicidade que isso traria para ela. Na verdade, a direção de suas reflexões e de suas ações demonstra de modo claro que ela acredita piamente que sua chance de ser feliz foi perdida, já que ela só poderia ser conquistada com o capitão. Essa ideia é reforçada com a sua negativa ao pedido de casamento de Charles Musgrove – que acaba se casando com sua irmã Mary –, pois ela não só mostra um posicionamento paralelo ao que as mulheres da época acreditavam, como também, reforça o amor que ela continua sentindo por Frederick mesmo sabendo que nunca poderá tê-lo novamente em sua vida.

Entretanto, mesmo estando diante de um amor tão sólido e forte, eu não poderia dizer que a história teve em mim efeitos semelhantes à outras obras da autora. Isso, porque apesar da inegável habilidade que Austen tinha de construir uma história rica em trama, personagens e romance, senti durante toda a leitura que os contatos estabelecidos entre Anne e Frederick carregava mais questionamentos que certezas, o que me levou a não compreender tão bem os protagonistas e a profundidade dos sentimentos deles. Esse ponto fica ainda mais evidente quando comparamos esse casal a outros que ela criou. Acredito que tenho uma parcela de culpa porque eu ansiava por um amor arrebatador, e menos sutil, como o de Elizabeth e de Mr. Darcy. 

Todavia, resta uma pequena dúvida decorrente da debilidade na saúde da autora que a impossibilitou de fazer modificações que fossem além das transformações promovidas no final do livro. Ainda assim, caro leitor, tenho que reforçar que não tenha medo de se aventurar por essas páginas, pois mesmo tendo contato com a versão que se tornou definitiva por causa da morte da autora, o modo magistral com o qual Jane Austen sempre construiu suas narrativas prevalece em “Persuasão”. Neste caso, somos arrebatados para a sua história através de personagens que mostram muito conscientemente os principais traços de suas personalidades e que não tem medo dos julgamentos alheios por fazerem isso – principalmente os Elliots.

Quando li esse obra e escrevi essa resenha há 6 (seis) anos**, lembro que uma das coisas que mais me reticente foi a linearidade dos sentimentos dos envolvidos, especialmente, pela ausência de demonstração dos verdadeiros afetos a quem realmente importava. Me senti extremamente frustrada porque eu queria ver os conflitos sendo trazidos para a superfície, de modo que o casal fosse levado a um confronto. Esse desejou se tornou mais forte em virtude da heroína dessa história, possuir uma voz interna mais forte do que a externa, o que me causou um certo desconforto durante a leitura, porque, mais uma vez, a vontade que eu tinha é que ela fosse mais enfática.

No entanto, transcorrido todo esse tempo, percebo que consigo identificar que esses pontos também são reflexos de uma maior maturidade por parte da autora na construção dessa história, já que ela não só tem certeza de quais os caminhos que deveria percorrer até concluir a jornada rumo ao perdão de Anne e Frederick, como também, mostra a todo o momento que determinadas características pessoais podem ser extremamente positivas (apesar de parecerem negativas) se não forem levadas ao extremo – tudo depende da ocasião a ser aplicada. A verdade é que esta é uma obra que mais do que ser lida, deve ser refletida, pois ela requer também do leitor ponderação, maturidade e compreensão. Três características básicas que ditam o tom dessa história admirável.

 
A amizade verdadeira é tão rara no mundo! E, infelizmente há muita gente que se esquece de pensar com seriedade até ser quase tarde demais. Pág. 178

Playlist:


* Com relação as duas novelas supracitadas, irei resenhá-las separadamente. Sendo assim, fiquem de olho no blog que logo trarei as resenhas de 'Lady Susan' e 'Jack e Alice'.
** Reescrevi esse texto em 08/06/2020 após refletir mais sobre a obra e as suas implicações. Com o tempo e a maturidade, percebo que cada texto tem um peso diferente na vida de quem o analisa e isso influencia a sua percepção a respeito daquilo que lê. No entanto, o que jamais se pode esquecer é que independente da obra ser clássica ou não, todo leitor tem direito de gostar mais ou menos do que leu e de interpretar cada nuance à luz das suas próprias vivências.

--- Isabelle Vitorino ---

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