Resenha Especial: O Diário de Anne Frank por Annelies Marie Frank


Espero poder contar tudo a você, como nunca pude contar a ninguém, e espero que você seja uma grande fonte de conforto e ajuda. Anne Frank. 12 de junho de 1942.

Título: O Diário de Anne Frank
Autora: Annelies Marie Frank
Autores da edição: Otto Frank e Mirjam Pressler
Tradução: Alves Calado
Editora: Record
Ano: 2014
Páginas: 416 
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O depoimento da pequena Anne Frank, morta pelos nazistas após passar anos escondida no sótão de uma casa em Amsterdã, ainda hoje emociona leitores no mundo inteiro. Seu diário narra os sentimentos, os medos e as pequenas alegrias de uma menina judia que, como sua família, lutou em vão para sobreviver ao Holocausto.

O diário de Anne Frank*, apelidado carinhosamente de Kitty, começa em 12 de junho de 1942, dia do aniversário de 13 anos da Anne, e inicia de forma leve, com descrições da autora sobre si mesma e seus colegas de classe. É quase estranho começar a leitura do diário mais famoso do mundo conhecendo seu julgamento crítico sobre cada amiguinho da escola. É difícil associar o horror do Holocausto com a narrativa infantil e inocente dos primeiros capítulos. É difícil imaginar tudo o que essa menina viveu...

- Margot, Otto, Anne e Edith Frank -
Logo nas primeiras páginas conhecemos a família da Anne: seu pai, Otto Frank - amado, admirado e elogiado por ela incontáveis vezes, sua irmã, Margot Frank e sua mãe, Edith Frank - com a qual Anne teve uma relação bastante conflituosa. 

No dia 20 de junho de 1942, para "não começar a escrever sem mais nem menos", Anne faz um breve resumo da sua história: morou em Frankfurt até os 4 anos de idade e, após a imigração de seus pais para Holanda, foi com a irmã para a casa da avó, em Aachen, retornando para junto do pai e da mãe em fevereiro de 1934. Aos 10 anos, Anne já vivia em constante ansiedade junto com a família: seus parentes na Alemanha sofriam com as leis de Hitler. Quando, em 1940, os alemães invadiram a Holanda, esse sofrimento passou a ser sentido na pele por toda a família: vários decretos antissemitas restringiam a liberdade dos judeus - o clima era de medo e incerteza.

Mesmo com o início da Segunda Grande Guerra, Kitty tinha sua páginas preenchidas com a vida normal de uma menina de 13 anos: conversas com as amigas, preocupações com a escola, alegrias, pequenos desapontamentos, garotos... É quando sua irmã Margot recebe uma notificação da SS que a vida de Anne e sua família muda drasticamente: no dia seguinte todos se mudam para o Anexo Secreto na tentativa de sobreviver juntos ao Terror Nazista.

- O Anexo Secreto -
Nos primeiros dias, Anne descreve cada cômodo do Anexo, como foi a viagem até lá, suas impressões. Pra ela, era "como estar de férias em alguma pensão estranha". Além dos Frank, dividiam o esconderijo o Sr. e a Sra. Van Daan, o filho deles, Peter Van Daan e o dentista Albert Dussel**. Recebiam ajuda, informações e opiniões sobre a guerra e o mundo lá fora de alguns dos funcionários do escritório que encobria o Anexo - Johannes Kleiman, Victor Kugler, Miep Gies e Bep Voskuijl - além do marido de Miep, Jan Gies, e do gerente do armazém Johannes Voskuijl, o pai de Bep.

Apesar da forma leve e simples de narrar seu cotidiano, Anne nos dá uma noção de como era viver no Esconderijo. Todos deveriam manter silêncio para não serem percebidos pelos demais funcionários do escritório, utilizando o banheiro em horários específicos, racionando comida, sem abrir as janelas, sem sair à rua por um minuto sequer. Foram dois anos no Anexo. Aconteciam vários assaltos, uma grande e constante fonte de terror (sempre o susto de terem sido/serem descobertos), além dos inúmeros bombardeios aéreos, que afetavam a paz de todos.
A casa tremia e as bombas continuavam caindo. Eu estava agarrada com minha sacola de fuga, mais por querer segurar alguma coisa do que porque queria fugir.

A rotina no Anexo girava em torno do futuro pós-guerra. As crianças continuavam os estudos, faziam vários cursos por correspondência, aprendiam novos idiomas, liam clássicos. Anne tinha vários cadernos com anotações de álgebra, história e resumos e anotações de grandes obras da literatura. Ela era uma leitora voraz, e por também amar o universo literário, admiro esse traço de sua personalidade.

Além das agruras da guerra, a convivência em confinamento era uma dificuldade diária. Discussões entre os Frank e os Van Daan, entre membros da mesma família e entre amigos eram frequentes.
Fico pensando se todo mundo que divide uma casa acaba cedo ou tarde se desentendendo com os outros moradores. Ou será que demos azar?... A guerra vai continuar, independentemente das brigas e do desejo de liberdade e ar puro, por isso deveríamos tornar a nossa estada o mais agradável possível.

Kitty era a melhor amiga de Anne. Ela se julgava incompreendida e injustiçada quase sempre, escrevia como quem contava confidências, buscando apoio, compreensão.
Qual das pessoas aqui suspeitaria de tanta coisa passando pela mente de uma adolescente?

Várias passagens do diário refletem o amadurecimento de Anne nesses dois anos no Anexo Secreto. A descoberta da sua sexualidade, sua solidão, sua raiva, seu pesar. Seu conflito constante com a mãe e seu amor incondicional ao pai. O estreitamento da sua relação com Peter e com Margot. Outras tantas falam de sonhos para depois da guerra, esperança, e muita gratidão por estar viva e bem, e não como milhares de judeus capturados pelos nazistas.
Muitas pessoas acham a natureza linda... Mas poucas, como nós, estão isoladas das alegrias da natureza que podem ser compartilhadas igualmente por ricos e pobres... Olhar o céu, as nuvens, a lua e as estrelas realmente faz com que me sinta calma e esperançosa... A natureza faz com que me sinta humilde e pronta para enfrentar cada golpe com coragem.

- Anne Frank -
Sonhava em ser jornalista. Sonhava em ter seus escritos lidos pelo mundo inteiro. Sonhava em voltar ao colégio, rever amigos, sentir o sol na pele, amar. Sonhava com o fim da guerra... São as páginas mais difíceis de serem lidas. Ela não sabia, mas você sabe o final dessa história...

Uma característica da Anne que me surpreendeu foi o seu posicionamento feminista. Não esperava essa compreensão em uma garota de 14 anos vivendo o horror do Holocausto. Ler suas ideias e questionamentos a respeito foi maravilhoso. Se viva, Anne seria uma escritora feminista. E pra mim, sabendo que ela não sobreviveu, essa foi uma constatação triste.
Uma das muitas perguntas que me incomodam é por que as mulheres eram vistas, e ainda são, como inferiores aos homens... Ainda bem que a educação, o trabalho e o progresso abriram os olhos das mulheres... As mulheres modernas querem o direito de ser completamente independentes. Mas não é só isso. As mulheres devem ser respeitadas também!

Terça-feira, dia 1º de agosto de 1944, é o último dia no diário de Anne. Ela discorre sobre si mesma, suas contradições, seu lado exuberante, petulante e alegre e seu lado mais puro, profundo e, segundo ela, melhor. Ela expõe que a sua alegria é uma armadura contra o mundo, um disfarce para seus medos. Conclui contando a Kitty que tenta "achar um modo de me transformar no que gostaria de ser e no que poderia ser se... se não houvesse mais ninguém no mundo".

No dia 4 de agosto, pela manhã, as oito pessoas que se escondiam no Anexo Secreto foram presas, além de Victor Kugler e Johannes Kleiman. Bep e Miep encontraram as folhas do Diário espalhadas pelo chão do Esconderijo, e as recolheram (posteriormente, Miep entrega Kitty ao pai de Anne). Os oito foram levados para uma prisão em Amsterdã e depois transferidos para o campo de triagem Westerbrok. Em 6 de setembro chegaram em Auschwitz. Otto Frank foi o único sobrevivente. Até sua morte, em 19 de agosto de 1980, se dedicou a divulgar a mensagem do diário da filha para todo o mundo.

Em resumo, a leitura do Diário de Anne Frank flui facilmente. Sua escrita, infantil no início, adquire uma certa maturidade no decorrer dos meses no Anexo Secreto. O confinamento, a convivência forçada, as mudanças no seu corpo, o despertar de sua sexualidade, de seus desejos físicos e intelectuais faz com que sua escrita seja, além de narrativa, reflexiva. Ela faz diversas análises sobre as interações entre os oito habitantes do Esconderijo, sobre seus pais e sua relação com eles, sobre si mesma. Opina sobre a guerra e sobre o posicionamento de todos acerca do tema. É doloroso ler algumas passagens, quando Anne se mostra muito grata por estar viva, por estar com sua família, quando enumera seus sonhos e planos para o pós-guerra. Além de ser um documento histórico de valor inestimável, o Diário de Anne Frank é um livro para ser lido por pessoas de todas as idades. Nos permite entender, ainda que limitadamente, ainda que sob o ponto de vista de alguém que conseguiu se esconder, como foi viver o Holocausto.




- Versões do Diário -
* Existem três versões do Diário de Anne: a versão A, original e sem edições (quando Anne escrevia apenas para si mesma), a versão B, reescrita em forma de romance por Anne (quando, após a solicitação do Ministro Bolkenstein na Rádio Orange, ela decide que publicará seu diário após a guerra) e a versão C, compilada por Otto Frank, uma junção editada das duas versões anteriores. A edição do Diário de Anne Frank de que trata esta resenha foi baseada em grande parte na versão B.

** Na versão B, Anne criou alguns pseudônimos. A família Van Daan, é na verdade Van Pels e Albert Dussel é Fritz Pfeffer.

Comentários acerca da edição:

(Sempre que vou comprar um livro que tem inúmeras edições - ou até para decidir se o quero ou não na minha estante - é, eu levo isso em consideração - procuro opiniões de quem já o possui, antes de decidir/escolher. Espero que seja útil para vocês também!)

Essa edição tem capa dura acolchoada, é linda, realmente parece um diário. Gostei particularmente do cuidado em reproduzir a estampa original do diário da Anne. A diagramação e o papel são ok. O livro traz várias fotografias dos personagens (algo que considero essencial em um livro histórico), além de ser baseado na versão B do diário (e não na C, como a maioria). É um pouco mais cara, já que tem várias edições de bolso no mercado, mas vale a pena o custo/benefício.

--- Mariane Brandão ---

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