Resenha: Vá, Coloque um Vigia por Harper Lee

Ler um livro, se apaixonar por ele, é algo que vai além do que alguém possa colocar em palavras. Foi assim que me senti com "O Sol é Para Todos" e por isso inúmeras dúvidas povoaram a minha mente antes e durante a leitura de "Vá, Coloque um Vigia". Toda a minha angústia, vocês podem conferir nesta resenha.

Título: Vá, Coloque um Vigia
Autor (a): Harper Lee
Editora: José Olympio
Ano: 2015
Páginas: 258
Onde comprar: Saraiva | Submarino
Jean Louise Finch, mais conhecida como Scout, a heroína inesquecível de O sol é para todos, está de volta à sua pequena cidade natal, Maycomb, no Alabama, para visitar o pai, Atticus. Vinte anos se passaram. Estamos em meados dos anos 1950, no começo dos debates sobre segregação, e os Estados Unidos estão divididos em torno de questões raciais. Confrontada com a comunidade que a criou, mas da qual estava afastada desde sua mudança para Nova York, Jean Louise passa a ver sua família e amigos sob nova perspectiva e se espanta com inconsistências referentes à ética e a pensamentos nos âmbitos político, social e familiar.Vá, coloque um vigia é o segundo romance de Harper Lee, mas foi escrito antes do mítico O sol é para todos, que recebeu o Prêmio Pulitzer em 1961. Este livro inédito marca o retorno, após 65 anos de silêncio, de uma das maiores escritoras americanas do século XX.

Jean Louise deixou de viver em Maycomb há algum tempo, mas isso não significa que ela não volte para a sua casa sempre que possível. Apesar de viver em Nova York, ela tinha a certeza de que o seu lugar era junto do seu pai e das pessoas que ela tanto amava. Sendo uma jovem mulher, ela precisa enfrentar questões das quais ela não está pronta, como um possível casamento com o seu amigo de infância Henry e o retorno para a vida do interior. Mesmo sem querer enfrentar esse tipo de decisão, ela estava disposta a tentar, o que ela não podia era observar a maneira como todos a quem ela admirou um dia pareciam ter mudado enquanto ela esteve fora. E quando seu pai e Henry revelam suas verdadeiras opiniões a respeito da situação dos negros na sociedade, ela precisa colocar na balança o que mais importa para ela: a defesa de sua opinião ou o amor de sua família.

O que acontece quando você ama uma história a tal ponto que não consegue imaginá-la de maneira diferente? Responder essa indagação, fala muito a respeito do problema que tive durante  toda a leitura de "Vá, Coloque um Vigia". A verdade é que mesmo trazendo alguns dos personagens que me fizeram amar "O Sol é Para Todos", há diferenças substanciais a respeito não só da caracterização deles, como também, de alguns aspectos importantíssimos acerca do enredo principal do livro que se tornou um clássico da literatura. Durante a leitura, tentei manter em mente que essa história havia sido escrita antes e por isso não afetava tudo aquilo que me fez amar Scout e o meu querido Atticus. Entretanto, foi difícil! Foram incontáveis as vezes em que eu coloquei o livro de lado por não suportar ver as linhas de pensamento que a Harper Lee trabalhou.

Acredito que o que contribuiu para essa sensação é que Jean Louise (a Scout) não é mais uma garotinha que aceita as verdades ditas pelo pai, não, ela é descrita aqui como uma mulher de vinte e seis anos de idade que após ter passado toda a sua vida acreditando piamente nas ideologias do seu pai sente o choque de ter pela primeira vez que defender aquilo que acredita mesmo que isso signifique romper os laços de afeto com a pessoa que ela mais ama. Nesse sentido, as questões raciais tomam um papel distinto na vida de Scout, pois ao mesmo tempo em que esse debate passa a ser preponderante na sua relação com o pai, ele deixa de ser debatido com a ênfase que vimos no principal trabalho da autora. Senti falta de ter algo mais que me ater do que os conflitos pessoais de Jean Louise. Queria um caso para analisar, uma inquietação própria de quem está sendo instigado a refletir sobre questões como racismo, evolução dos direitos, entre tantos outros temas que é possível perceber em "O Sol é Para Todos".

Mas como todo sofrimento para uma leitora é pouco, há uma descaracterização completa do Atticus. E esse é um dos pontos que mais me deixaram triste, pois além dele perder o seu protagonism para o tio Jack Finch (um senhor excêntrico e muito especial), ele incorpora uma personalidade dúbia e que eu jamais imaginei que ele fosse capaz de exercer. Sendo mais específica, há uma contradição acerca do que ele é nas memórias da Scout jovem para o que ele se tornou na sua vida adulta. Se na sua infância ele era um homem de caráter ímpar e que não se rendia com a pressão social de modo algum, em sua vida adulta ele assume um papel vilanesco, onde não só despreza qualquer tipo de direito que os negros possam conquistar, como também, afasta de si qualquer ideal de conceder a eles a dignidade que mereciam. Observar cada um desses detalhes me deixou com o coração na mão, pois foi a queda de um ídolo que eu tinha.

Diante de tudo o que já escrevi, seria redudante dizer que me senti uma estranha perdida em um lugar desconhecido, já que imagino que vocês já tem a total certeza disso. A verdade é que por mais que a história desse livro seja boa de se acompanhar, depois de conhecer o esplendor de "O Sol é Para Todos" tornou-se uma tarefa extremamente dolorosa desassociar os meus pensamentos daquilo que eu tinha visto para poder assimilar essas novas informações e acreditar na proposta da autora. Com isso, cheguei a conclusão de que alguém que não leu a primeira obra lançada da Harper Lee irá aproveitar muito mais "Vá, Coloque um Vigia" do que alguém que assim como eu teve sua alma marcada por uma história que não se apaga da memória. No mais, uma coisa é certa: eu entendi porque a autora jamais desejou publicar esse livro.


[...] é sempre fácil olhar para o passado e ver como éramos ontem ou dez anos atrás. Difícil é ver o que somos hoje. Pág. 243

--- Isabelle Vitorino ---

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