Resenha Especial: Senhor das Moscas por William Golding

Realizar uma leitura impactante e ficar com ela rondando sua mente nos transcorrer dos dias, é uma das sensações mais intensas que um leitor pode ter. “Senhor das Moscas” faz isso com tanta maestria, que logo é possível entender porque foi premiado com o Nobel de Literatura.

Título: Senhor das Moscas
Autor: William Golding
Editora: Alfaguara
Páginas: 224
Ano: 2014
Onde comprar: Saraiva 
Durante a Segunda Guerra Mundial, um avião cai numa ilha deserta, e seus únicos sobreviventes são um grupo de meninos em idade escolar. Eles descobrem os encantos desse refúgio tropical e, liderados por Ralph, procuram se organizar enquanto esperam um possível resgate. Mas aos poucos — e por seus próprios desígnios — esses garotos aparentemente inocentes transformam a ilha numa visceral disputa pelo poder, e sua selvageria rasga a fina superfície da civilidade, que mantinham como uma lembrança remota da vida em sociedade. 

Eles não sabem o que aconteceu, eles sabem apenas que agora estão ilhados em um lugar paradisíaco sem a presença de nenhum adulto para controlá-los. Animados com a possibilidade de viver do modo como quisessem, os vários garotos em idade escolar que estavam em uma avião e que estranhamente sobreviveram após a sua queda, não se assustam por estar tão longe de casa, mas sim, sentem-se livres. Distribuídos entre pré-adolescentes e crianças, pouco a pouco o grupo começa a se organizar para viver na ilha da melhor maneira possível. Liderados por Ralph, a princípio tudo parece ser perfeito, mas logo a dura realidade de terem de prover seu próprio sustento e segurança começa a revelar a verdadeira identidade desses garotos.

Cercados pelo mar e circundados por uma floresta que de dia lhes fornece seus alimentos e de noite os seus pesadelos, os visitantes da ilha passam cada vez mais para um estado de selvageria visto apenas nos primórdios da civilização. Apesar de jovens, eles são levados a tomar medidas extremas para conseguir aquilo que desejam. Disputando a liderança de forma ferrenha, o poder sobre os mais fracos passa a cegar a razão de alguns e transformá-los de maneira irrevogável. Afastando-se cada vez mais daquilo que eles foram um dia, os garotos tornam-se um retrato fiel do questionamento: o homem é produto do meio ou o meio é produto do homem?

Repleto de alegorias, “Senhor das Moscas” é portador de uma história intensa que surpreende o leitor pela maneira que o envolve em suas amarras até ele se ver sem saída diante do poder das palavras ali contidas. Aliás, poder é uma palavra realmente importante nesse livro. Pois é retratando o retrocesso de um grupo de crianças até que elas cheguem a um estágio de profundo instinto selvagem que o autor vencedor do prêmio Nobel de Literatura, convida o leitor a observar o desnudar da alma humana – através de uma narrativa simples em sua estrutura, mas macabra em sua finalidade – em busca daquilo que ele considera importante em sua vida, mesmo que seja sob uma óptica distorcida.

Sobre esse ponto, mal posso dizer o quão estarrecedor foi observar a decadência da civilidade e o fortalecimento da selvageria entre os garotos. Principalmente, do Jack. Ele que a princípio mostra-se um jovem cheio de orgulho e com espírito de dominação, ao longo do enredo ele vai se transformando em alguém com sede de sangue e poder, que não mede esforços para suplantar sua consciência e deixar que o lado vil de sua personalidade se apodere dele até que ele faça coisas que talvez se tivesse em outro meio, não fosse capaz de realizar. No entanto, não há como ter certeza disso, já que ele poderia sim fazer coisas terríveis mesmo que ficasse cercado de civilização, mas em outros termos que não pura selvageria animalesca.

Como contraponto dessa figura, o autor explora muito bem os personagens Ralph e Porquinho. O primeiro, apesar de ter mais noção de senso comum e trabalhar para que as coisas funcionem de modo que todos eles tenham a chance de sair daquela ilha com vida, falta nele a inteligência de desencadear ideias e elaborar planos antes de fazer as coisas funcionarem. Esse papel acaba ficando a cargo de Porquinho, que com seu jeito sabe-tudo, conquista o leitor aos poucos com a sua maneira de se ater a civilidade tão necessária para viver em uma comunidade. Ademais, mesmo que haja outros personagens na história, essa tríade acaba se tornando o pilar dessa sociedade repleta de responsabilidades e desejos.

E é quando se trata desse paralelo que o enredo se torna sombrio. Pois se de um lado vemos a luta de uma minoria para fazer o que é melhor para o bem de todos, vemos uma maioria que não mede esforços para realizar os desejos mais obscuros de suas almas. E quando digo obscuro, quero dizer que essas crianças revelam um mal que se não for inerente as suas essências, são ao menos foco dos seus pensamentos mais íntimos, já que é quase inconcebível que eles sejam capazes de fazer coisas como sacrifícios e rituais estarrecedores apenas porque se viram assolados pelo medo de uma figura mítica que os assolava naquele lugar.

É por isso que mesmo o livro sendo geralmente associado ao gênero “drama”, eu considero “Senhor das Moscas” também como pertencente ao “horror”... O horror advindo não só das atribulações de uma vida dura, como também, daquilo que está intrínseco ao ser. Em suma, uma história extraordinária que deve ser lida por todo aquele que busca por leituras que não só o deixem estarrecido, como também, perplexo diante de todos os questionamentos sugeridos direta e indiretamente por um autor genial como William Golding.

“[…] Se você está se afogando e alguém joga uma corda. Se o médico diz que você precisa tomar um remédio para não morrer – você aceita, não é?” Pág. 153

Playlist:


--- Isabelle Vitorino ---

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