Comic Resenha: Persépolis por Marjane Satrapi

Uma HQ forte e densa, mas extremamente necessária.

Título: Persépolis
Autora: Marjane Satrapi
Ilustradora: Marjani Satrapi
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2007 (Edição Completa)
Páginas: 352
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Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita - apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa. Vinte e cinco anos depois, com os olhos da menina que foi e a consciência política à flor da pele da adulta em que se transformou, Marjane emocionou leitores de todo o mundo com essa autobiografia em quadrinhos, que só na França vendeu mais de 400 mil exemplares. Em Persépolis, o pop encontra o épico, o oriente toca o ocidente, o humor se infiltra no drama - e o Irã parece muito mais próximo do que poderíamos suspeitar.

Marjane tinha apenas dez anos de idade quando foi obrigada a entender que para o seu país homens e mulheres não possuíam o mesmo valor. Separada de seus amigos e sendo levada para uma escola apenas de meninas, ela também teve que se acostumar ao uso do véu. Como a criança que era, não conseguia compreender o porquê daquelas mudanças bruscas, mas ao passo em que foi crescendo, os seus pais, cuja mentalidade era mais moderna do que a da maioria dos iranianos, foram explicando no que consistia a essência dessas mudanças e como elas iriam se refletir durante toda a sua vida. Observamos a menina ir se desenvolvendo e desde sempre notamos que a sua personalidade e a força do seu espírito se tornariam um empecilho para que ela continuasse no Irã haja vista que não é capaz de conter o que pensa e foi punida diversas vezes por isso.

Quando estava na adolescência e com uma compreensão de mundo maior, começou a protestar como podia, além de ir escondido de seus pais a manifestações, ela usava maquiagem, colocava o véu de maneira que pudesse mostrar um pouco de seus cabelos, ouvia punk rock e caminhava pela rua com seus tênis e jaqueta jeans. Mas o que parece pouco aos olhos dos ocidentais, para os habitantes daquele lugar era motivo para julgamentos por parte da polícia e da própria sociedade. Preocupados com a vida dela, os seus pais a mandam para a Áustria a fim de que ela pudesse ter uma chance de viver plenamente ainda que longe deles. A guerra contra o Iraque estava em seu ápice e os Estados Unidos forneciam armas para ambos os lados, o que estava causando mais destruição e mortes do que se poderia imaginar. 

Ela esperava deixar sua família orgulhosa, mas não foi exatamente isso o que aconteceu, pois longe da sua cultura e daqueles que amava, ela era considerada uma pária social que não se encaixava em lugar nenhum. Tentando desesperadamente se conectar com alguém, ela passa a tomar atitudes que iam contra todos os ensinamentos dos seus pais e passa a não só usar drogas, como também, traficá-las no ambiente escolar. No entanto, nem mesmo seu comportamento "descolado" fez com que ela conquistasse seu espaço e após uma série de desventuras ela decide voltar para o seu país ainda que com muita tristeza e vergonha. Ela acreditava que estando em Teerã, teria uma chance de recomeçar, afinal, ela amava o Irã e toda a sua família e amigos estavam lá, porém, ao voltar acaba percebendo que mais difícil que ser uma estranha fora do seu país, era ser uma estranha em sua própria terra.

Ler "Persépolis" foi uma experiência da qual jamais esquecerei. Primeiro, porque meu contato com a cultura oriental é ínfimo e segundo, porque eu não estava habituada a ler quadrinhos. Passear por as páginas e não só ler, mas ver como foi a vida de Marjane Satrapi me abriu os olhos sobre inúmeras coisas e quero conversar com vocês sobre algumas delas. Imagine um país onde você deveria adotar uma vida dupla se quisesse ter um pouco de liberdade. Um lugar onde todos devem seguir rígidas regras que mais funcionam como uma desvio de foco do que realmente importa do que algo que valesse a pena ser implementado. Sim, esse é o Irã que se desenvolve a partir da década de 80 quando a tensão entre o país e o Iraque vai se tornando cada vez mais latente e o governo passa a tomar atitudes repressivas para conter a onda de protestos da população que partiam não só dos cidadãos comuns, como também, dos intelectuais da época.


O período que se seguiu foi piorando drasticamente até que uma situação insustentável se instalou lá. Homens e mulheres eram chicoteados, enforcados e fuzilados apenas por expressarem suas opiniões, não havia liberdade de ir e vir, tampouco, de expressão. Marjane como artista, pôde ver de perto colegas seus serem presos por ilustrações que eram julgadas inadequadas e projetos seus serem recusados apenas por dar enfâse ao papel da mulher na cultura oriental. Todavia, mais importante do que destacar isso, é dizer que em momento algum ela se deixa abater e continua tentando com todas as suas forças ser quem ela queria ser. O principal problema que se interpunha diante dela, era que as vozes ao seu redor passaram a se silenciar e que muitas pessoas que se  julgavam melhores do que os fanáticos religiosos que viviam em Teerã, na verdade, possuíam uma essência mais tradicionalista do que se podia pensar a priori.

Essa questão se torna mais palpável justamente por Marjane ter passado uma temporada fora de casa. Talvez se ela tivesse ficado todo o tempo no Irã, vivendo e vendo o que àquelas pessoas viram, seu comportamento pudesse ser tão dúbio quanto o delas. Devo comentar com vocês que ainda que eu tenha ficado completamente apaixonada por essa história e por todos os sentimentos que ela despertou em mim, senti uma antipatia profunda por Satrapi em alguns momentos. Não é que eu não reconheça a sua força e a sua luta, porém, algumas de suas atitudes me deixaram com uma sensação de soco no estômago como, por exemplo, quando ela estava prestes a ser levada para a delegacia e faz um alarde dizendo aos policias que um homem estava lhe falando indecências e o pobre acaba indo preso sem ter culpa alguma (além disso, o que mais me doeu foi ela ter se gabado de sua "esperteza"). Foi horrível ver o quanto, para exercer o seu direito de andar por onde quiser e se vestir da maneira que queria, ela prejudicou um inocente.


E é em vista de tudo isso, que eu acredito veementemente que ler "Persépolis" é uma necessidade preemente para qualquer pessoa. Além de fornecer uma explosão de acontecimentos que devem ser divulgados sim, essa história mostra o quanto é preciso que se discuta as dificuldades vivenciadas por mulheres nas mais diversas partes do mundo de terem uma vida digna e livre. Então se você é alguém curioso e que não se importa em sair de sua zona de conforto (caso não seja um leitor contumaz desse tipo de leitura), precisa mergulhar na vida de Marjane Satrapi e com isso ter uma percepção ampliada do que foi a guerra entre Irã e Iraque, o peso da tradição xiita e tantos outros aspectos da história do Oriente que por vezes nos passam despercebidos ainda que estejamos atentos.

Na vida você vai encontrar muita gente idiota. Se te ferirem, pensa que é a imbecilidade deles que os leva a fazer o mal. Assim você vai evitar responder às maldades deles. Porque não tem nada pior no mundo do que a amargura e a vingança... Seja sempre digna e fiel a você mesma.

--- Isabelle Vitorino ---

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