Resenha Especial: Tarzan por Edgar Rice Burroughs
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Povoando o nosso imaginário
desde a infância, Tarzan entrou na vida de muitos através da adaptação criada
pela Disney em meados de 1999. No entanto, diferente dessa produção, no
primeiro livro da série protagonizada por Tarzan o leitor é convidado a
questionar sobre as linhas que delimitam o conceito de humanidade e tem sua
leitura transformada em uma experiência inegavelmente única.
Título: Tarzan
Série: Tarzan #1
Autor: Edgar Rice Burroughs
Editora: Zahar
Páginas: 336
Ano: 2014
Nascido na floresta, órfão com apenas um ano de idade, o pequeno lorde Greystoke é adotado e criado por um antropoide, que faz dele Tarzan – o homem-macaco, ágil, forte, poderoso guerreiro, líder do seu bando e rei da selva. Mas tendo contato com a espécie humana, sobretudo com membros de uma expedição americana, dentre eles a bela Jane, o herói se transforma. Será que o amor e suas origens como lorde Greystoke irão sobrepujar uma vida inteira como Tarzan? Pode um homem selvagem resistir ao chamado da floresta?
Tudo começa quando o
John Clayton é designado para realizar uma investigação na África sobre o
tratamento que estava sendo dado aos negros pelos oficiais. Partindo da
Inglaterra com sua esposa grávida para o longínquo continente, ele não contava
que as coisas saíssem do controle e ele acabasse ilhado em um lugar remoto com
sua família após sua embarcação ter sido tomada por homens arbitrários. Tendo
que viver em um lugar selvagem sob os olhos vigilantes de feras, ele toma como
missão de vida construir um lugar seguro para manter todos longe das garras e
dos dentes dos enormes símios que passam a persegui-los. Não passa muito tempo
até que ele construa uma cabana e seu filho nasça. No entanto mais uma tragédia
se abate sobre ele e sua esposa, e o pequeno lorde Greystoke fica a mercê da
própria sorte.
Mas o perigo não o
ronda por muito tempo, pois a símio Kala que há pouco havia perdido seu filhote
em uma tragédia, adota o pequeno e transforma a tarefa de criá-lo e protegê-lo
na missão de sua vida. É assim que dia após dia, ela começa a ensiná-lo tudo o
que um macaco precisa saber para sobreviver. Apesar dos olhares raivosos de
alguns animais de sua tribo e da aparente inabilidade do pequeno de se
comportar como um dos seus, ela persiste na sua educação e pouco a pouco é
recompensada com o desenvolvimento de Tarzan, o filho da floresta que através
do uso da razão e das habilidades animais adquiridas se mostra um ser forte e
um poderoso guerreiro capaz de enfrentar perigos inimagináveis apenas pelo
prazer de se provar e de proteger aqueles que ama.
Ler uma obra que
encantou pessoas de todas as idades no decorrer de várias gerações causa sempre
um sentimento de ansiedade e inquietação no leitor. Ainda mais quando no
imaginário restam resquícios de produções de sucesso que o impelem a formar uma
pré-opinião acerca da narrativa em questão. Porém, o que a princípio pode parecer
ser algo ruim, se mostra algo verdadeiramente bom quando as nuances – que
apenas uma obra original pode fornecer – se revelam para o leitor e mostram o
porquê daquela história ter se tornado um clássico da literatura mundial muito
antes de ser sucesso entre os espectadores de uma produção cinematográfica. Inegavelmente,
Tarzan se encaixa de modo perfeito nesta descrição, pois é com muito
aprofundamento nos seus personagens que Burroughs deixa sua marca impressa em
uma narrativa riquíssima.
Contado em forma de
relato por um narrador que diz não saber se a história é verdadeira, mas que
acredita que ela possui um quê de verdade, o primeiro livro da série
protagonizada por Tarzan acompanha o personagem desde a barriga da sua mãe até
a idade adulta. Com uma cobertura tão longa de anos, é natural que o autor
tenha utilizado alguns artifícios para narrar as peripécias e infortúnios do
personagem até chegar o momento crucial de sua vida, que é o encontro com seres
humanos da mesma raça e cultura da qual ele descende. Dessa forma, apesar de
ser visível a densidade do personagem como um todo, as coisas acontecem de
forma rápida e um tanto quanto sucintas. O que não é algo de todo ruim, pois por
ter tamanha flexibilidade para montar a história, o autor pôde nos dar também
vislumbres dos pensamentos dos mais variados e extraordinários personagens –
como os símios com os quais Tarzan convive, por exemplo.
Entretanto tenho que
confessar que no começo foi com certa estranheza que recebi essa “novidade”,
mas logo que me adaptei consegui enxergar a importância disso para a trama, já
que dessa forma pude conhecer mais do Tarzan antes mesmo que ele tomasse
consciência de quem era e daquilo que o tornava único no lugar em que ele
vivia. Conhecer mais a fundo a sua essência também me ajudou a ver de forma
mais tranquila algumas cenas de certa selvageria que é possível encontrar no
livro. Pois por mais que se trate de um ser humano, as atitudes de Tarzan são
na maior parte primitivas mesmo quando ele utiliza da razão que não faz parte
da composição dos demais animais. Acredito que por isso pude entender melhor as
suas decisões quando Jane entrou em sua vida.
Aliás, em se
tratando de Jane, não gostei muito dela, pois mesmo sendo descrita como uma
garota muito racional, ela toma atitudes impulsivas e extremas consecutivamente
e sempre se arrepende depois. Minha predileção ficou reservada totalmente ao
pai dela e ao seu secretário que juntos formam uma dupla impagável! Sobre os
animais da selva, aviso desde já aos leitores que esqueçam aquela imagem de
fofura da Disney, pois no livro eles são retratados em sua natureza mais pura e
o autor não pega leve nas descrições de lutas e canibalismo. E é diante desse
quadro que posso dizer que Burroughs foi muito além do que eu tinha em mente
quando iniciei a leitura, pois além de explorar as linhas que diferem os homens
dos animais, ele levanta questões importantes acerca daquilo que consideramos
como sendo valores importante de se ter. Tudo isso foi entremeado, é claro, em
uma aventura instigante e que nos faz virar as páginas alucinadamente sempre em
busca de mais Tarzan – o rei da selva.
[...] Na maior parte das vezes, matava para se alimentar, mas, sendo homem, às vezes matava por diversão, algo que nenhum outro animal faz – pois somente o homem, dentre todas as criaturas, mata sem razão, arbitrariamente, pelo mero prazer de incutir sofrimento e morte. Pág. 117
Playlist:
--- Isabelle Vitorino ---
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