Resenha Especial: Úrsula por Maria Firmina dos Reis

O ano passado, mais precisamente no mês de novembro, li "Úrsula". Era uma obra que eu ansiava conhecer por todo o contexto histórico de sua escrita, porém, algumas questões da narrativa me deixaram em dúvida com relação ao que senti. Assim, passei um tempo refletindo e hoje estou aqui para conversar com vocês sobre esse livro e tudo o que eu encontrei.

Título:
Úrsula
Autora: Maria Firmina dos Reis
Editora: Edições Câmara
Ano: 2018
Páginas: 289
Onde comprar: Amazon (e-book gratuito) | Livraria Cultura | Submarino
Sinopse: "A Edições Câmara traz mais um volume da série Prazer de Ler, a coletânea com as obras de Maria Firmina dos Reis, primeira escritora negra de que se tem notícia em nossa literatura e pioneira na denúncia da opressão a negros e mulheres no Brasil do século XIX. A coletânea inclui o romance Úrsula, seu texto mais publicado, o conto abolicionista A escrava, o indianista Gupeva e a antologia de poesias Cantos à beira-mar, reunidos pela sua inequívoca qualidade literária. Com o lançamento deste livro, a Edições Câmara busca reafirmar a importância da obra de Firmina, mulher, negra, educada, maranhense e uma voz da resistência feminina. A força de sua literatura é um convite à reflexão sobre temas como a escravidão, o sexismo e o lugar da mulher na sociedade paternalista e escravocrata da qual foi contemporânea".

Úrsula é uma jovem branca que está cuidando da sua mãe acamada e à beira da morte. Em razão de uma antiga desavença entre a sua mãe e a família, ela não possui acesso aos seus familiares, assim, as únicas companhias que possui são Suzana e Túlio, duas pessoas escravizadas e que trabalham no lugar há muito tempo. 

Em um dos passeios de Túlio, ele encontra Tancredo, um jovem aparentemente abastado e que parece acometido de alguma moléstia que não lhe permitia seguir viagem, e oferece a sua ajuda. Firme em seu propósito de ampará-lo, Túlio o conduz para a casa de Úrsula e lá, sob a linha tênue da vida e da morte, Úrsula e Tancredo se apaixonam.

Em 11 de novembro de 1917 a escritora Maria Firmina dos Reis faleceu. Considerada a primeira romancista brasileira, ela nasceu em São Luís, no estado do Maranhão. Seu livro, intitulado “Úrsula”, foi publicado originalmente em 1859 e traz em sua essência uma crítica à escravidão e aponta a necessidade de permitir que as dores dos seus personagens sejam narradas por eles mesmos. É, portanto, um texto abolicionista.

Sendo uma mulher negra, a escritora não só sofreu
 um apagamento, já que seu livro só foi recuperado em 1962 pelo historiador paraibano, Horácio de Almeida, como também um embranquecimento na reprodução de sua imagem. Isso, porque, em que pese haja descrições oriundas de ex-alunos e conhecidos de Maria, os seus traços originários não foram representados no busto que atualmente está exposto na Praça do Pantheon no centro de São Luís.

Note-se também, que a escritora já foi retratada como uma mulher branca em um quadro localizado na Câmara de Vereadores de Guimarães, município em que faleceu. 
Na pintura, teve sua aparência ilustrada como similar a da escritora gaúcha, Maria Benedita Câmara, popularmente conhecida como Délia. Inclusive, estudos apontam que mesmo sabendo que aquela não era Maria Firmina, o quadro foi exposto por muitos anos, sendo removido entre 2012 e 2013.

A partir dessas informações, é possível que vocês percebam que esta é uma obra de imensurável valor histórico, pois traz consigo não só os precedentes de um preconceito enraizado na sociedade, como também, revelam um pouco de como era a vida de alguém que viu de perto os desdobramentos da escravidão no Brasil.

Nesse sentido, destaco que a abordagem abolicionista foi o que me fez chegar até a obra e lê-la. Queria entender  mais dos aspectos histórico-culturais brasileiros na época e esse livro parecia ser um bom ponto de partida. No entanto, ao iniciar a leitura fui surpreendida com uma escrita própria do romantismo e com algumas digressões que foram tornando a leitura bastante morosa para mim.

Como mencionei anteriormente, apesar de existir dois personagens escravizados, o foco central da narrativa não é nas questões experienciadas por eles. Pelo menos, não na maior parte do livro. Isto é, a maior parte do texto é dedicado a descrever a trágica história de amor do casal jovem, branco e abastado, que sofre os dissabores de uma perseguição protagonizada por um homem que não aceita o fato de que uma mulher não lhe quer.

Sim, isso revela também outra faceta importante da época, qual seja, o machismo e as influências políticas e religiosas na comunidade. Entretanto, mais uma vez aponto que essas questões acabam sendo sufocadas pelo estilo de narrativa, que, em muitos momentos se assemelha com um enredo shakespeariano.

As questões atinentes ao abolicionismo são introduzidas de maneira muito sútil, mas não deixam de impactar o leitor quando descritas, porém, são mais ideias, o que não permite um aprofundamento maior no tema. Interessante observar, que uma das possibilidades interpretativas que os participantes do nosso clube de leitura coletiva levantaram foi que essa inserção mais suavizada desses temas seria uma estratégia de Maria Firmina dos Reis para tornar o livro mais palatável para os leitores de seu tempo e, assim, viabilizar a sua publicação.

Diante de tudo isso, posso dizer que "Úrsula" é um livro com ideias que merecem ser propagadas e que possui um valor histórico imensurável. Jamais se pode negar a grandeza dessa obra escrita por uma mulher negra e que viveu em momento contemporâneo à escravidão no Brasil. No entanto, também não vou omitir o fato de que o estilo literário da obra oferece alguns óbices na leitura dos leitores modernos e, talvez, isso implique em algumas desistências.

Troco escravidão por liberdade, por ampla liberdade!

Fonte de pesquisa: "Com rosto ainda desconhecido, primeira escritora negra do Brasil é redescoberta após décadas de anonimato" de Leonardo Neiva para BBC.

--- Isabelle Vitorino ---

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