Resenha Especial: O Corvo por Edgar Allan Poe

Então eu li "O Corvo" de Edgar Allan Poe.

Título:
O Corvo
Autor: Edgar Allan Poe
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2019
Páginas: 200
Sinopse: "A morte de uma mulher bela é, sem sombra de dúvida, o tema mais poético do mundo." Assim Edgar Allan Poe justificaria a gênese de "O corvo", poema publicado sob pseudônimo originalmente em 1845. Mas o que faz com que esses versos hipnotizantes sobre perda e desejo, escritos de modo tão calculado pelo mestre do terror há quase dois séculos, tenham merecido tantos elogios e tamanha controvérsia? Nesta edição, o leitor vai conhecer as traduções mais notáveis de "O corvo" para a nossa língua ― as de Fernando Pessoa e Machado de Assis ―, analisadas pelo poeta, tradutor e professor Paulo Henriques Britto, que também traduz três textos fundamentais de Poe sobre poesia ("A filosofia da composição", "A razão do verso" e "O princípio poético") e examina a faceta ensaística do escritor.

Em "O Corvo" conhecemos a história de um estudioso, que em horas avançadas da noite, cercado de textos antigos, está quase adormecendo quando escuta um som próximo a sua porta. Apesar de ignorar essa quebra de silêncio, posteriormente, vai verificar a origem da perturbação e se vê surpreendido pela chegada de um Corvo. Com a entrada do estranho visitante, ele passa a divagar sobre a perda da mulher amada e dos seus amigos, e já se ressente com a provável partida da ave, a quem lhe pergunta o nome e este lhe responde com um "Nunca mais".

Ansiando por descobrir o que mais o Corvo poderia saber, passa a lhe fazer perguntas sobre o futuro, principalmente, se voltará a se reencontrar com a amada, se irá esquecê-la, mas não obtem nenhuma resposta diferente do "Nunca mais". Cada vez mais angustiado com a presença perturbadora da ave, ele ordena que o Corvo parta da sua casa imediatamente, não deixando nenhum vestígio de sua passagem. No entanto, novamente ele ouve: "Nunca mais".

Edgar Allan Poe foi um contista exímio e deixou um enorme legado para nós. Foi precursor das histórias detetivescas, com o investigador Auguste Dupin, e isso só mostra o seu olhar inovador para a literatura. "O Corvo" é um produto desse feeling, pois, como o escritor aponta no ensaio "A Filosofia da Composição", este poema foi pensado de maneira calculada para apresentar a estrutura, o desenvolvimento e o ritmo que podemos observar na leitura.

Assim, essa poesia foi pensada para ser lida de uma única vez, logo, toda a ideia por trás dele é de promover um encantamento que levasse a uma quase hipnose. Isto é, que inconscientemente o leitor continuasse a leitura sem sequer pensar em pausá-la. É válido dizer que na mesma medida em que Poe conseguiu admiradores ferozes como Charles Baudelaire e Mallarmé, ele também despertou a desconfiança de escritores como Henry James que, apesar de gostar dos contos deste, não apreciava a sua poesia.

Na edição publicada pela Companhia das Letras, cuja organização ficou a cargo de Paulo Henriques Britto, além de estarem postas as traduções de Fernando Pessoa e de Machado de Assis, há o original do poema, e também três ensaios escritos pelo próprio Edgar Allan Poe. O primeiro é "A Filosofia da Composição", na qual o autor apresenta toda a ideia dele para a concepção do poema, "A Razão do Verso", onde ele trata dos ideais de métrica inglesa, sendo este um texto valioso para os estudiosos da poesia e "O Princípio Poético", na qual ele faz críticas bem contudentes ao ideal vitoriano de que todo poema deveria trazer um moral em sua essência.

O posfácio "Um Raven e Dois Corvos", escrito pelo próprio Britto, traz uma análise a respeito das traduções de Fernando Pessoa e Machado de Assis. Nele, o especialista em literatura aponta que a tradução de Pessoa preserva não só o conteúdo do poema de Poe, como também, a sua estrutura - é como se você estivesse lendo exatamente o mesmo texto, apesar de estar em outro idioma. O que não acontece com a tradução de Machado, que optou por modificar muito do poema, de modo que mesmo contendo a síntese de "O Corvo", não chega a se assemelhar daquilo que se tem no original, tornando-se, portanto, em outra produção.

Eu, sendo a leiga que sou nos aspectos técnicos da poesia e da tradução, só posso dizer que, enquanto leitora, gosto mais da tradução de Fernando Pessoa. Isso, porque, ele despertou em mim o que Poe ansiava despertar nos seus leitores: o sentimento de que eu não poderia deixar para depois aquela poesia. A única ausência que senti foi a omissão do nome Lenore. Sim, a amada que partiu, e que é a causa de todo o sofrimento do protagonista de Edgar, não é nomeada por Pessoa em parte alguma - há apenas a sugestão.

Para Britto, isso pode ser visto quase como um aprimoramento do texto original, que, em tese, carrega a contradição desta mulher possuir um nome no mundo além, não possuir um nome na terra, mas mesmo assim ter o nome mencionado por alguém que está vivo. Apesar desse ocultamento aprofundar o mistério em torno dessa mulher, de que pouco se sabe, gosto da forma em que o original revela seu nome e torna essa amada mais real do que seria se permanecesse inominada para alguém que tanto sente a sua falta.

Ler "O Corvo" foi uma experiência única para mim, pois mesmo não sendo alguém que se sente tão confortável lendo poesia, tudo o que já me é tão caro nos contos de Edgar Allan Poe está presente nessa produção, de modo que consegui me conectar de imediato com o protagonista e o seu estado de ansiedade, o cenário noturno, o mistério que ronda a chegada deste outro personagem que é o Corvo, o sofrimento pela ausência de sua Lenore e, principalmente, o desejo por saber o que acontece depois do último "Nunca mais".

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.
Pág. 12 (Tradução de Fernando Pessoa)


--- Isabelle Vitorino ---

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