Resenha: Estudos Sobre Veneno por Maria V. Snyder

Em meu tédio de quarentena, estava atrás de uma fantasia bobinha, encontrei uma mulher decidida, um mundo mágico livre de monarquia e uma trama política intrigada. Feat venenos.

Título: Estudos Sobre Veneno
Série: As Lendas de Yelena Zaltana
Autora: Maria V. Snyder
Editora: Harlequin
Páginas: 416
Ano: 2005
Onde comprar: Amazon | Livraria Cultura
Sinopse: "Prestes a ser enforcada, Yelena é agraciada com uma prorrogação extraordinária para sua pena. Ela aceita se tornar provadora de comida e morrer no lugar do Comandante de Ixia. Mas Valek, o chefe da segurança, não deixa brecha para fuga e a envenena com Pó de Borboleta. Somente se apresentando diariamente para ele, Yelena poderá tomar o antídoto. Enquanto tenta encontrar um meio de escapar, rebeldes planejam sitiar Ixia, e Yelena desenvolve poderes mágicos. Sua vida é ameaçada e ela precisa escolher de novo... Estudos sobre veneno, primeiro livro da trilogia As Lendas de Yelena Zaltana, é uma história que encanta como uma poção mágica. O reino criado em detalhes por Maria V. Snyder deixa lugar para novas fábulas com Yelena. Um romance de estreia que impressiona ao mesclar fantasia, suspense e aventura e que foi comparado a Guerra dos Tronos, de George R. R. Martin pela Publishers Weekly."

Olha para todas as suas histórias de alta fantasia, o que elas tem em comum?

Eu olho para as minhas e vejo ambientes pseudo medievais, com uma monarquia totalitarista e vários plebeus iletrados. Praticamente todos com um protagonista masculino vindo da família real, ou sendo um camponês destinado a grandes feitos, geralmente através de uma profecia.

Óbvio que cada uma tem suas peculiaridades, que é o que trazem suas legiões de fãs, e óbvio também que não considero essa uma narrativa ruim, afinal fantasia segue sendo meu gênero favorito desde 2003, mas não há como negar que esse tipos e narrativa tornou-se algo extremamente recorrente, beirando o cansativo. Pois eis que grata surpresa foi eu me separar com esse livro da autora Maria Snyder.

No primeiro livro de sua trilogia, somos apresentados a nossa protagonista, Yelena. Orfã de família, nossa protagonista não está deitada em uma confortável cama, mas sim em um calabouço, a espera de seu julgamento, que seria justamente neste dia. Sim, estamos acompanhando Yelena no dia de sua execução.

A garota se encontra há exatamente um ano num calabouço sujo, em condições sub humanas e não tem forças sequer para se manter em pé. Porém, ao ser levada pelos guardas, a garota não é guiada para a forca, mas sim para a sala do braço direito do Comandante, Valek. O experiente assassino comunica a Yelena que o antigo provador de comidas do Comandante acabou por falecer recentemente, e é costume do novo regime oferecer o cargo para aqueles que estão marcados para serem executados a opção: a morte, ou viver para aprender a conhecer e provar venenos, para servir de provadora. A partir de então seguiremos numa trama envolvendo magia, traição reviravoltas e traumas do passado, onde descobriremos que podem haver destinos piores que a morte.

Com um início primoroso e uma história que sabe os momentos certos de contar sua trama, Maria Snyder nos guia através da narração de sua protagonista sobre os acontecimentos passados em seu mundo fictício de Ixia. Onde posso afirmar que a autora tomou decisões bastante ousadas, pelo menos aos meus olhos.

O primeiro ponto da trama que eu me surpreendi bastante foi o tipo de regime político ao qual esse universo se passa. A antiga monarquia, corrupta e detentora do poder, era aliada ao Conselho de Magia, que, na voz dos líderes do governo novo, apenas sabiam oprimir a sociedade em busca de ganhos próprios. Logo sabemos do levante que houve e que não estamos perante uma monarquia absoluta, mas sim de um regime militar. Exato, Ixia agora tem 8 distritos, cada um com seus próprios meios e focos de produção e que são comandados por generais, onde esses respondem ao Comandante, o líder supremo da nação.

Como um bom estudante da história que sempre fui, vocês podem imaginar o que veio a minha cabeça ao saber disso, mas eis que para minha surpresa, a autora nos traz uma visão um tanto quanto... Interessante desse regime. Com um caráter um tanto quanto utópico (o que não é diferente das monarquias na maioria das fantasias), Maria Snyder nos mostra que, sobre esse novo regime, a antiga misoginia foi reduzida - senão eliminada. Mulheres agora tem direito ao trabalho, bens próprios e ao estudo, assim como homens. Aliás, a educação também é algo que deixou de ser privilégio na nobreza e foi expandida a todos. Funciona por aptidão. As crianças são postas em contato com todo o tipo de ofício, onde seus mestres vão ver suas aptidões, selecionando-as para estudos mais específicos e "estágios", projetando-as para desempenharem aquela função determinada no futuro. 

Também através desse novo regime e de um desenvolvimento industrial, problemas como moradia e fome foram sanados, pois todos agora detém uma fonte de renda e sobrevivem de seu esforços. Cada pessoa tem uma função nesse intrigado governo, e suas vestimentas são únicas e exclusivamente voltadas para a essa função.

Não vou me estender mais nesse aspecto, para não acabar com toda a surpresa, mas fiquei intrigado em como um governo comandado por militares pode acabar com diversos problemas políticos, econômicos e sociais. Claro que nem tudo são flores e algumas regras são deveras extremas, mas para um povo que era executado por não pagar impostos abusivos e era oprimido por um governo que detinha posse de educação e informação, é visível que a mudança trouxe melhorias bastante significativas. É interessante o ponto de vista da autora, nos mostrando que, não pela bondade do coração da esfera política, mas com o objetivo de fazer a nação se desenvolver, foram designadas políticas sociais mais humanas e inclusivas.

A escrita da autora também é algo que aprovei bastante. Geralmente eu torço meu nariz para livros narrados em primeira pessoa, pois nunca é um tipo de narrador 100% confiável, mas seja por um treinamento mais militar, seja pelos traumas que passou, Yelena sabe ser direta e pontual em sua narração. Não é um livro onde passaremos páginas e páginas em um fluxo de consciência. Ela não tem medo de pular dias ou meses na história, se não há nada de relevante ocorrendo, flashbacks são espaçados e rápidos, forçando os leitores a montar o cenário da sua vida. Além disso, o livro é recheado de ação, tornando-o extremamente dinâmico. Há também toda a atmosfera quase claustrofóbica em boa parte da trama, onde sentimos que a nossa protagonista vive sem saída para o seu destino.

A magia e seu desenvolvimento não é algo inovador ou nunca antes visto, mas também magos não são um time de super heróis com poder ilimitado, e a presença desse elemento na vida de Yelena acaba trazendo só mais um caos à já tumultuada vida que leva.

E deixei pra falar mais da protagonista no final, pois definitivamente é o ponto alto da história para mim. Yelena podia facilmente ser a já clássica e enfadonha "personagem feminina forte", que é fria, sem emoções, bruta e que só mata. Ela tem sim uma personalidade mais reservada, mas tudo é explicado. Os traumas passados por ela são algo que beiram o absurdo e claramente se percebe que a autora quis dar esse peso para trazer uma realidade sobre a mulher moderna. Ela é uma mulher que foi humilhada e maltratada pelos seus dons inerentes e precisa constantemente se provar para adquirir respeito, chega a ser fatigante em alguns momentos quando você percebe que a mulher não tem um momento de paz, ao longo da trama.

O aspecto que talvez mais tenha me incomodado na história foi, sim, ele mesmo, o romance. Mas mesmo ele eu considero bem desenvolvido, não forçando os personagens a se anularem em prol um do outro. Eu só não via a necessidade de ele existir mesmo, mas quem sabe no futuro da trilogia ele não seja algo extremamente relevante, não é mesmo?

Intenso, dinâmico e, por vários aspectos, inovador, "Estudos Sobre Veneno" me foi uma grata surpresa no universo fantástico. A trama geral pode não ser nenhuma novidade, mas os pontos citados e a condução da história fazem esse livro entrar no meu hall de favoritos sem a menor dúvida.

- Prossiga - Eu insisti. - Sei que quer dar um fim a este encontro com algum tipo de ameaça. Quem sabe um aviso terrível? Fique a vontade. Já estou acostumada. Não saberia como lidar com uma conversa que não tivesse algo do gênero. - Pág. 157

--- Marcel Elias ---

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