Resenha Especial: A Dama das Camélias por Alexandre Dumas Filho

Quase 200 anos depois e nossos relacionamentos seguem tão doentes quanto os da Paris Romântica...

Título: A Dama das Camélias
Autor: Alexandre Dumas Filho
Editora: Martin Claret
Ano: 2014
Páginas: 248
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Sinopse: "Alexandre Dumas Filho escreveu, a partir de uma experiência pessoal, a mais famosa história de amor de uma cortesã, A dama das camélias (1848). Por meio do uso de uma descrição detalhada e realista narra a bela e proibida história de amor de Marguerite Gautier e Armand Duval, jovem estudante burguês, porém o casal lutará entre o amor verdadeiro e os deveres sociais. Este romance de tese é e sempre será um clássico da literatura mundial, tendo inúmeras adaptações para cinema e teatro e foi com esse último formato que ganhou grande visibilidade. A obra é um documento social, mas sobretudo um belo hino ao Amor."

A icônica e imortal história de amor da cortesã francesa com certeza é um daqueles títulos que algum leitor já ouviu falar, nem que fosse seu título ou temática. Romances, enquanto  gênero literário, estão longe de serem algo inusitado, e nada causa mais agitação que o romance de um rapaz com uma jovem e bela garota, que exerce a "profissão mais antiga do mundo". O livro torna-se ainda mais instigante quando descobrimos que esse é um texto quase autobiográfico, pois o autor, Alexandre Dumas Filho, filho do extremamente famoso Alexandre Dumas, viveu um arrebatador e semelhante caso de amor com uma cortesã de sua épocas.

No livro, nosso narrador não identificado se encontra em Paris, onde descobre que a cortesã mais bela de todas, Marguerite Gautier, também conhecida como A Dama das Camélias, faleceu e que seus bens viriam a ser leiloados numa data próxima. Curioso, pois o rapaz só havia visto a mulher uma vez, o que gerou grande admiração ao mesmo, ele se dispôs a visitar sua antiga morada que agora estava aberta para que as pessoas pudessem verificar os itens a serem leiloados, bem como participar do leilão. 

Nesse interím, acaba por arrematar para si um livro que pertencia a mesma. A obra, que tinha em seu texto uma peça de teatro, possuía uma dedicatória que possivelmente pertencia a um de seus amantes. Eis que dias depois um homem aparece em sua casa e pede para nosso narrador que lhe venda essa peça literária. Nosso galante personagem se identifica como Armand Duval e, após uma rápida conversa com o narrador, alega ser o homem que verdadeiramente amou Marguerite.

Intrigado com a história, bem como compadecido do estado de Armand, que mostra-se em sofrimento devido a morte de sua amada, o narrador nos conduz por uma mórbida aventura com o adoecido e contrito amante, onde não só exumamos o corpo de Madame Gautier, realocando-o com o auxílio dos trabalhadores do cemitério, como também somos convidados a ouvir, do próprio Armand, a história de amor, ciúmes, invejas e intrigas que permeou toda a vida da Dama das Camélias até seu fatídico fim.

Apesar de ser um tema nada estranho aos nossos olhos e ouvidos de leitores do século XXI, "A Dama das Camélias" me impactou bastante, não apenas por seu enredo, mas por abordar temas de um peso e relevância extremamente atuais e alarmantes, tudo isso mesclado com uma escrita bastante fluída e dinâmica do autor. Não há como negar o talento de Dumas Filho, que com capítulos rápidos e uma forma de escrever envolvente, conseguiu tornar momentos aparentemente monótonos em situações reflexivas e envolventes. Minha única ressalva com seu estilo narrativo é algo que escritores franceses e russos dos séculos XVIII a XX aparentemente amavam: o uso de digressões.

Este artifício basicamente consiste em pausar o relato do enredo, dando ao autor a oportunidade de elaborar e expor pensamentos sobre determinados temas, geralmente aos quais vem a tona no momento em que se encontra a trama. Não que esse artifício seja algo ruim, mas não achei que acrescentou algo a história como um todo. Felizmente isso ocorre somente nos primeiros capítulos do livro, o que de forma alguma pesa na leitura analisada como um todo.

O livro também conta com cenas extremamente gráficas, como é o caso da exumação do cadáver de Marguerite. No entanto, esta passagem é diferente de como Emily Brontë aborda uma cena similar em "O Morro dos Ventos Uivantes", já que nesta obra somos levados a apreciar um ato de provável loucura do protagonista, posto que são revelados com riqueza de detalhes o efeito causado pela morte no corpo da amada de Armand, o que pode sim gerar um incômodo e uma certa revirada nos estômagos mais sensíveis, mas que também traz uma veracidade e uma pitada de realidade à trama.

Outro tema que acaba por ser abordado de um modo mais secundário, mas que permeia toda a história, é o paradoxo entre o fascínio e a repulsa da sociedade perante a prostituição. A sociedade, seja ela a Europa romântica ou a América pós-moderna, nunca olhou com bons olhos a vida de uma prostituta. Sempre marginalizadas e consideradas como menos que nada, tanto na esfera política, social quanto na religiosa, fica evidente que tal "profissão" não era bem quista, o que não impediu diversas mulheres da alta sociedade de participarem do leilão de Marguerite, entrar em seu lar, quando aberto à visitação, e ficaram admiradas com um vislumbre dessa "vida desregrada".

Uma das coisas interessantes de serem refletidas é que era considerado normal, aceitável e quase um status social o homem casado possuir uma amante e a cercar de uma vida luxuosa, sustentando-a com uma renda alta e capaz de fazê-la circular por locais considerados como exclusivos - é claro, aquelas consideradas como de alto padrão. Isso acaba por tornar tudo muito irônico, pois a mesma sociedade que apedreja, é a mesma que mantém e incentiva suas "profissionais" a se manterem.

Mas, mesmo abordando temáticas muito instigantes como estas, nem tudo são flores nessa história. O meu maior problema com ela acabou se tornando o tema central, que seja, a história de amor.

Claro que analisando de um ponto de vista acadêmico, "A Dama das Camélias" é uma prosa do período romântico por excelência, logo, temos toda aquela devoção que beira a adoração religiosa pela amada, bem como os rompantes de sentimentalismo, onde um coração partido transcende o emocional e causa sintomas físicos, porém muito me preocupa olhar para uma história como essa e chamar ela de amor.

Marguerite é uma cortesã, isso é explicado desde o primeiro capítulo e nunca houve engano a respeito disso, mas isso não impede que Armand seja ciumento, possessivo, birrento e infantil em absolutamente todas as oportunidades possíveis, tratando sua "amada" como sua propriedade o máximo que pode. No começo, Marguerite parecia se divertir com esses rompantes, mas tais episódios aconteciam com uma frequência tão absurda e cada vez mais abruptas que, quando chegamos nos capítulos finais da história, percebemos claramente uma relação abusiva e doente, que não poupa a mulher, mesmo ela ardendo em febre.

O que mais me incomodou com tudo isso é ver que nossas relações amorosas de hoje em dia nada diferem. Olhando para o macro, somos um dos países que mais mata mulheres no mundo, onde grande parte desses casos vem de companheiros que não aceitam um término. Por outro lado, analisando friamente, Armand não foi a razão direta do óbito de Marguerite, mas suas ações em nada ajudaram e indiretamente foram sim de grande auxílio para a derrocada de uma mulher que ele alega amar mesmo após a sua morte.

Por fim, "A Dama das Camélias" é uma história envolvente, com diversos pontos e temáticas impressionantes, mas ouso dizer que é um livro onde podemos aprender que paixões avassaladoras não nos tornam donos de nossos amados e que, acima de tudo, diferente de tudo que a cultura ocidental prega, amar não é sofrer e sofrer não é amar. 

Você me ama, estou certa disso, mas não sabe o quanto é frágil o fio que prende ao coração o amor que se sente por moças como eu.

--- Marcel Elias ---

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