Ensaio: "Pequeno Manual Antirracista" e o Racismo Estrutural no Brasil - Vidas Negras Importam?

Esse será apenas um ensaio, onde venho trazer a problemática racista e a resenha do livro “Pequeno Manual Antirracista” da filósofa feminista negra Djamila Ribeiro. 

Título: Pequeno Manual Antirracista
Autora: Djamila Ribeiro
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2019
Páginas: 136
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Sinopse: Neste pequeno manual, a filósofa e ativista Djamila Ribeiro trata de temas como atualidade do racismo, negritude, branquitude, violência racial, cultura, desejos e afetos. Em dez capítulos curtos e contundentes, a autora apresenta caminhos de reflexão para aqueles que queiram aprofundar sua percepção sobre discriminações racistas estruturais e assumir a responsabilidade pela transformação do estado das coisas. Já há muitos anos se solidifica a percepção de que o racismo está arraigado em nossa sociedade, criando desigualdades e abismos sociais: trata-se de um sistema de opressão que nega direitos, e não um simples ato de vontade de um sujeito. Reconhecer as raízes e o impacto do racismo pode ser paralisante. Afinal, como enfrentar um monstro desse tamanho? Djamila Ribeiro argumenta que a prática antirracista é urgente e se dá nas atitudes mais cotidianas. E mais ainda: é uma luta de todas e todos.

Recentes mortes brutais de pretos no Brasil e no mundo aparentam ter recordado a sociedade do Racismo. De repente, inúmeros hashtags são levantadas em redes sociais em repúdio ao que acontece todo dia, mas que raramente é lembrado. O caso George Floyd ganhou uma repercussão enorme através do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), mas esse infelizmente está longe de ser um caso isolado.


Escrevo esse texto do meu lugar de mulher, preta, LGBTQ, do meu lugar de minoria social. Minha negritude se disfarça e disfarçou por muitos anos, até mesmo de mim. Nunca sofri grandes privações pela minha cor – meu tom de pele não é tão escuro. Mas os lembretes disfarçados de piadas supostamente ingênuas, alertas de pertencimento, e até mesmo elogios ao exoticismo me trouxeram à consciência. Quando falo de consciência, incluo aqui todos os privilégios que tive, no entanto, coisas que muitos outros pretos não possuem em grau algum.

Acerca do livro "Pequeno Manual Antirracista", pode-se dizer que é uma obra curta, de leitura fácil, e traz em dez tópicos o princípio da discussão, em vários subtemas diferentes, além de larga referência bibliográfica de apoio. E já na introdução nos alerta que a luta antirracista:

Implica perceber que mesmo quem busca ativamente a consciência racial já compactuou com violência contra grupos oprimidos.

A reflexão é forte, incômoda, mas deve ser real. O racismo estrutural é herança da cultura escravista, portanto, pela nossa história, está enraizado em nossas relações sociais. Nem sempre reflete uma opinião pessoal proposital, mas uma reprodução automática da opressão da população preta.

O auto-questionamento – fazer perguntas, entender seu lugar e duvidar do que parece natural - é a primeira medida.

Pretos e pretas já nascem com a obrigação de questionar a si e à sua realidade, pois o mundo os obriga. Pretos e pretas desde cedo já lidam com a ausência de privilégios, problemas de autoestima -estereótipos, inferiorização, e uma grande numero de questões psicológicas, que brancos e brancas não vivenciam. Por isso, não só em momentos como o que vivemos agora, a branquitude precisa enxergar seu papel e sua responsabilidade, pois são, sim, atores diretos nessa questão. E respeitar o lugar de fala do povo preto.

É importante ter em mente que para pensar uma solução para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade. Portanto, frases como ‘eu não vejo cor’ não ajudam. O problema não é a cor, mas seu uso como justificativa para segregar e oprimir. Vejam cores, somos diversos, e não há nada de errado nisto.

Djamila usa como título de uma de seus capítulos “Perceba o racismo internalizado em você”. Uma sociedade racista gera indivíduos racistas.

Um dos maiores problemas da nossa sociedade, que impacta também no racismo estrutural, é o mito da meritocracia. O sistema que não nos permite sairmos todos do mesmo ponto de partida deve reparar esse problema de alguma forma. Políticas afirmativas, como cotas, fazem uma parte do trabalho. Então, não, o povo preto não está tentando roubar a sua vaga na universidade. A herança escravista perpetua as condições frequentes de subemprego também. Poucas são as pessoas pretas em posição de poder ou prestigio, e aqui segue o padrão de inferiorização em relação as pessoas brancas.

O conceito de “Epistemicídio” mostra que até mesmo produções de pessoas pretas – no ambiente acadêmico e cultural – sofre de grande apagamento, junto com outros grupos oprimidos.

A importância de estudar autores negros não se baseia (…) na crença de que devem ser lidos apenas por serem negros. A questão é que é irrealista que, numa sociedade como a nossa (…), somente um grupo domine a formulação do saber. É possível acreditar que pessoas negras não elaborem o mundo?.

   Djamila Ribeiro

É essencial destacar o poder de perpetuação de opressões que possui o Capitalismo, inclusive. A apropriação cultural – termo de bastante discussão controversa, porém pertinente - e o racismo recreativo são bons exemplos disso. O primeiro mercantiliza símbolos com esvaziamento dos seus significados; o segundo se utiliza de mídias diversas pra repetir os estereótipos negativos associados a negritude.

E se na sua família ou círculo social existem pessoas pretas, aprenda com elas, escute-as, ao invés de apenas afirmar “Mas eu não sou racista”.

Vamos voltar ao caso George Floyd, mas faremos um recorte brasileiro. Os dados trazidos por Djamila denunciam a realidade crua: mesmo representando 55,8% da população, pretos e pretas são 71,5% das pessoas assassinadas no Brasil. De 2006 à 2016, a taxa de homicídio de pessoas pretas aumentou 23,1%; enquanto isso, a taxa para pessoas não pretas diminuiu 6,8%. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. O genocídio negro é praticamente usado como política de segurança pública, escondendo-se atrás dos abusos de poder, violência policial, omissão do judiciário, sistema penal opressor, suposta guerra às drogas...

“Pequeno Manual Antirracista” é um livro introdutório para aprender um pouco sobre um pouco de cada pauta. E é essencial. Precisamos falar sobre o racismo e suas graves consequências por mais que ele pareça não estar presente. Vidas Negras Importam, mas subir uma hashtag não é o suficiente para que estas sobrevivam.

--- Lorena Mâcedo ---

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