Escrevo esse texto do meu lugar de mulher, preta, LGBTQ, do meu lugar de minoria social. Minha negritude se disfarça e disfarçou por muitos anos, até mesmo de mim. Nunca sofri grandes privações pela minha cor – meu tom de pele não é tão escuro. Mas os lembretes disfarçados de piadas supostamente ingênuas, alertas de pertencimento, e até mesmo elogios ao exoticismo me trouxeram à consciência. Quando falo de consciência, incluo aqui todos os privilégios que tive, no entanto, coisas que muitos outros pretos não possuem em grau algum.
Acerca do livro "Pequeno Manual Antirracista", pode-se dizer que é uma obra curta, de leitura fácil, e traz em dez tópicos o princípio da discussão, em vários subtemas diferentes, além de larga referência bibliográfica de apoio. E já na introdução nos alerta que a luta antirracista:
Implica perceber que mesmo quem busca ativamente a consciência racial já compactuou com violência contra grupos oprimidos.
A reflexão é forte, incômoda, mas deve ser real. O racismo estrutural é herança da cultura escravista, portanto, pela nossa história, está enraizado em nossas relações sociais. Nem sempre reflete uma opinião pessoal proposital, mas uma reprodução automática da opressão da população preta.
O auto-questionamento – fazer perguntas, entender seu lugar e duvidar do que parece natural - é a primeira medida.
Pretos e pretas já nascem com a obrigação de questionar a si e à sua realidade, pois o mundo os obriga. Pretos e pretas desde cedo já lidam com a ausência de privilégios, problemas de autoestima -estereótipos, inferiorização, e uma grande numero de questões psicológicas, que brancos e brancas não vivenciam. Por isso, não só em momentos como o que vivemos agora, a branquitude precisa enxergar seu papel e sua responsabilidade, pois são, sim, atores diretos nessa questão. E respeitar o lugar de fala do povo preto.
É importante ter em mente que para pensar uma solução para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade. Portanto, frases como ‘eu não vejo cor’ não ajudam. O problema não é a cor, mas seu uso como justificativa para segregar e oprimir. Vejam cores, somos diversos, e não há nada de errado nisto.
Djamila usa como título de uma de seus capítulos “Perceba o racismo internalizado em você”. Uma sociedade racista gera indivíduos racistas.
Um dos maiores problemas da nossa sociedade, que impacta também no racismo estrutural, é o mito da meritocracia. O sistema que não nos permite sairmos todos do mesmo ponto de partida deve reparar esse problema de alguma forma. Políticas afirmativas, como cotas, fazem uma parte do trabalho. Então, não, o povo preto não está tentando roubar a sua vaga na universidade. A herança escravista perpetua as condições frequentes de subemprego também. Poucas são as pessoas pretas em posição de poder ou prestigio, e aqui segue o padrão de inferiorização em relação as pessoas brancas.
O conceito de “Epistemicídio” mostra que até mesmo produções de pessoas pretas – no ambiente acadêmico e cultural – sofre de grande apagamento, junto com outros grupos oprimidos.
A importância de estudar autores negros não se baseia (…) na crença de que devem ser lidos apenas por serem negros. A questão é que é irrealista que, numa sociedade como a nossa (…), somente um grupo domine a formulação do saber. É possível acreditar que pessoas negras não elaborem o mundo?.
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Djamila Ribeiro
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É essencial destacar o poder de perpetuação de opressões que possui o Capitalismo, inclusive. A apropriação cultural – termo de bastante discussão controversa, porém pertinente - e o racismo recreativo são bons exemplos disso. O primeiro mercantiliza símbolos com esvaziamento dos seus significados; o segundo se utiliza de mídias diversas pra repetir os estereótipos negativos associados a negritude.
E se na sua família ou círculo social existem pessoas pretas, aprenda com elas, escute-as, ao invés de apenas afirmar “Mas eu não sou racista”.
Vamos voltar ao caso George Floyd, mas faremos um recorte brasileiro. Os dados trazidos por Djamila denunciam a realidade crua: mesmo representando 55,8% da população, pretos e pretas são 71,5% das pessoas assassinadas no Brasil. De 2006 à 2016, a taxa de homicídio de pessoas pretas aumentou 23,1%; enquanto isso, a taxa para pessoas não pretas diminuiu 6,8%. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. O genocídio negro é praticamente usado como política de segurança pública, escondendo-se atrás dos abusos de poder, violência policial, omissão do judiciário, sistema penal opressor, suposta guerra às drogas...
“Pequeno Manual Antirracista” é um livro introdutório para aprender um pouco sobre um pouco de cada pauta. E é essencial. Precisamos falar sobre o racismo e suas graves consequências por mais que ele pareça não estar presente. Vidas Negras Importam, mas subir uma hashtag não é o suficiente para que estas sobrevivam.
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