Resenha: Fale! por Laurie Halse Anderson
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Resenha
Há alguns dias comecei a ler ‘Fale!’ despretensiosamente.
Pelo que eu sabia do enredo fiz várias conjecturas e expectativas sobre o que
iria encontrar. Contudo, nada disso conseguiu me preparar para o que, de fato, eu encontraria por entre as páginas desse livro.
Título: Fale!
Autor (a): Laurie Halse Anderson
Editora: Valentina
Páginas: 248
Ano: 2013
“Fale sobre você... Queremos saber o que tem a dizer.” Desde o primeiro momento, quando começou a estudar no colégio Merryweather, Melinda sabia que isso não passava de uma mentira deslavada, uma típica farsa encenada para os calouros. Os poucos amigos que tinha, ela perdeu ou vai perder, acabou isolada e jogada para escanteio. O que não é de admirar, afinal, a garota ligou para a polícia, destruiu a tradicional festinha que os veteranos promovem para comemorar a chegada das férias e, de quebra, mandou vários colegas para a cadeia. E agora ninguém mais quer saber dela, nem ao menos lhe dirigem a palavra - insultos e deboches, sim - ou lhe dedicam alguns minutos de atenção, com duvidosas exceções. Com o passar dos dias, Melinda vai murchando como uma planta sem água e emudece. Está tão só e tão fragilizada que não tem mais forças para reagir. Finalmente encontra abrigo nas aulas de arte, e será por meio de seu projeto artístico que tentará retomar a vida e enfrentar seus demônios: o que, de fato, ocorreu naquela maldita festa?
Odiada por todos após acabar com a festa dos
veteranos ligando para a polícia durante as férias, Melinda entra no ensino
médio sabendo o quão duro será até que ela se forme. Ignorada por suas antigas
amigas que não querem mais saber dela e negligenciada pelos seus pais que estão
imersos em uma rotina de trabalho, ela sente que ninguém quer ouvir o que ela
tem a dizer. Tendo que suportar sozinha os insultos, os julgamentos e o
isolamento aos quais todos impunham a ela, Melinda acaba se tornando uma garota
muda, que apesar de sentir tudo e ter muito a dizer, simplesmente não consegue
falar. E esse é o seu maior problema, pois ela não consegue esquecer as
lembranças que a atormentam e isso a machuca mais do que qualquer pessoa pode
perceber – não que alguém estivesse se importando. Presa dentro da sua própria
mente com sentimentos sufocantes e com uma solidão opressora, ela encontra um
meio para mostrar que apesar de tudo ainda está viva: as aulas de artes. E é em
meio a árvores, desenhos e muito silêncio, que ela começa a trilhar um caminho
para encontrar novamente sua voz e falar sobre o que aconteceu na festa que
quase a destruiu.
Um livro que mexeu de forma profunda comigo. É
assim que posso começar a falar sobre ‘Fale!’. Não há nada mais que possa
explicar o que senti durante toda a leitura e após o término dela, do que essa
frase. Acredito que isso se deva ao fato das surpresas que a autora me reservou
e da forma inesperada com que ela conseguiu me introduzir na vida de Melinda, já
que se a princípio eu me senti como uma intrusa em meio as páginas que narravam
de forma intimista o cotidiano da protagonista, com o decorrer da história me
vi compartilhando os mesmos sentimentos que Melinda e sofrendo com ela por causa
de todas as terríveis situações que ela viveu. Creio que o que mais
colaborou para que eu me identificasse com a história de Melinda foi a
realidade de que assim como ela, eu também já passei por situações em que tive que calar, não porque não tinha o que dizer, mas sim porque não tinha ninguém que me escutasse verdadeiramente.
O que torna 'Fale!' em um livro brilhante está diretamente ligado a maneira que Laurie explora o silêncio de
Melinda em paralelo ao muito que ela tem a dizer, pois apesar do livro ter
poucos diálogos, a autora consegue fazer com que a sua protagonista conte-nos
não só a sua história, como também, compartilhe conosco todos os seus pensamentos de forma nua,
crua e verdadeira. Ademais, mesmo que os principais temas do livro sejam o
bullying e o abuso sexual, a autora vai além e mostra o ponto de vista de Melinda sobre tudo o que a rodeia: a vida adolescente, a escola, os amigos, a família,
a sociedade. Ela faz isso com uma escrita de vocabulário simples, mas que
possui força para atingir o leitor de uma forma que chega a ser assustadora. Contudo,
não pensem que nas páginas do livro se esconde a voz de uma garota depressiva
que passa o tempo inteiro chorando, não, pois apesar de ser deprimida e possuir
a alto-estima baixíssima, fica claro a todo o momento que Melinda, mesmo muito jovem, conseguiu transformar seu sofrimento em coragem para que
mesmo em silêncio conseguisse enfrentar um ambiente hostil em que as pessoas
parecem ser todas alienadas.
O seu silêncio ensurdecedor só é quebrado em alguns pontos do livro, mas na maior parte do tempo a vemos lidar com as marcas deixadas por ser vítima de um crime bárbaro e que infelizmente ocorre todos os dias e em todas as partes do mundo: o abuso sexual. Em seu relato de como tudo aconteceu, o leitor é colocado contra à parede e é obrigado a reagir. Confesso que a minha vontade era de dizer a Melinda que eu queria saber tudo não só sobre o que aconteceu que fez dela alguém tão arredio, mas também que eu queria saber tudo sobre ela. Principalmente porque é impossível ficar impassível diante do que ocorreu com ela e da maneira como ela morre aos pouquinhos a cada dia sem que ninguém perceba. Acho que é por isso que é tão difícil não sentir um pouco de rancor dos pais dela que não se esforçam para entendê-la e apenas exigem que ela fale para que eles parem de ser chamados na escola. É certo que eles não sabem o que ocorreu com ela – ninguém sabe –, mas dá pra notar o quão duro é pra ela perceber que aos poucos está se tornando um problema para os pais simplesmente pelo fato de que não tem ninguém que quer escutar o que ela realmente tem para dizer.
É triste acompanhar a trajetória dela e ver que absolutamente ninguém se esforça para compreendê-la, vez ou outra ela tem uma conversa com alguns colegas, mas é notório o quão desajustada e fora de lugar ela se sente. Ainda mais, porque as pessoas não tornam a vida dela mais fácil e simplesmente a esquecem de vez, não, eles preferem implicar com ela e fazer do seu ano escolar um inferno maior do que seria se ela não tivesse que, além de tudo, ser vítima de bullying. Eu sofria com ela toda vez que ela mordia os lábios para não falar, não revidar, não gritar. Era frustrante ver que a única forma que ela era capaz de se expressar era através da arte porque as pessoas eram tão egoístas que preferiam assistir comodamente a ruína dela a arriscar uma pseudo posição social para ajudá-la.
O seu silêncio ensurdecedor só é quebrado em alguns pontos do livro, mas na maior parte do tempo a vemos lidar com as marcas deixadas por ser vítima de um crime bárbaro e que infelizmente ocorre todos os dias e em todas as partes do mundo: o abuso sexual. Em seu relato de como tudo aconteceu, o leitor é colocado contra à parede e é obrigado a reagir. Confesso que a minha vontade era de dizer a Melinda que eu queria saber tudo não só sobre o que aconteceu que fez dela alguém tão arredio, mas também que eu queria saber tudo sobre ela. Principalmente porque é impossível ficar impassível diante do que ocorreu com ela e da maneira como ela morre aos pouquinhos a cada dia sem que ninguém perceba. Acho que é por isso que é tão difícil não sentir um pouco de rancor dos pais dela que não se esforçam para entendê-la e apenas exigem que ela fale para que eles parem de ser chamados na escola. É certo que eles não sabem o que ocorreu com ela – ninguém sabe –, mas dá pra notar o quão duro é pra ela perceber que aos poucos está se tornando um problema para os pais simplesmente pelo fato de que não tem ninguém que quer escutar o que ela realmente tem para dizer.
É triste acompanhar a trajetória dela e ver que absolutamente ninguém se esforça para compreendê-la, vez ou outra ela tem uma conversa com alguns colegas, mas é notório o quão desajustada e fora de lugar ela se sente. Ainda mais, porque as pessoas não tornam a vida dela mais fácil e simplesmente a esquecem de vez, não, eles preferem implicar com ela e fazer do seu ano escolar um inferno maior do que seria se ela não tivesse que, além de tudo, ser vítima de bullying. Eu sofria com ela toda vez que ela mordia os lábios para não falar, não revidar, não gritar. Era frustrante ver que a única forma que ela era capaz de se expressar era através da arte porque as pessoas eram tão egoístas que preferiam assistir comodamente a ruína dela a arriscar uma pseudo posição social para ajudá-la.
O mais aterrador da história criada por
Laurie é que ela realmente conseguiu me fazer refletir sobre tudo. Contudo, ao
invés dela utilizar o antigo modo: "a moral da história é", ela
conseguiu me guiar por entre os pensamentos e as experiências de Melinda de
forma sutil, mas poderosa. Pois apesar de ser ficção, a história contida em
'Fale!' traz relatos quase palpáveis sobre o quão destruidor pode ser a
negligência do ouvir o outro. Com certeza, um livro para ser lembrado para sempre
e que deveria figurar no acervo de todas as escolas públicas e particulares
para que todos pudessem ter a seu dispor um relato que mesmo ficcional,
consegue ser fidedigno a nossa realidade.
Estou a fim de confessar tudo, de passar a culpa, o erro e a raiva para outra pessoa. Tem um monstro nas minhas entranhas, posso até ouvi-lo arranhando as minhas costelas. Mesmo quando descarto a lembrança, ela continua comigo, me ferindo. Pág. 67
Playlist:
--- Isabelle Vitorino ---
3 comments
primeiro, Parabéns pela resenha, super completa, e passa realmente o sentimento de injustiça, de sofrimento, e de coragem que a personagem acaba encontrando apesar de toda dificuldade. eu vi primeiro o filme, fiquei surpresa com a publicação do livro aqui, achei super válido a editora trazer um livro que toca em assunto que infelizmente, é muito atual. Fale é um livro marcante, assim como o filme. eu não gostei muito da capa, achei que podia ter sido mais caprichada, mas tem muito a ver com o livro mesmo assim. e
Nossa, Ana... Muito obrigada por suas palavras. Postei essa resenha com uma insegurança enorme porque eu não tinha certeza se ela fazia jus ao livro. Ler o seu comentário com certeza me deixou muito mais aliviada. :D
Eu ainda não vi o filme, estou com um pouco de dificuldade para encontrá-lo, mas quero vê-lo em breve para fazer as minhas comparações entre um e outro.
Assim que fechei a parceria com a editora Valentina, já coloquei na minha "wish list "o livro. Eu mal sabia do que se tratava a história, mas as pessoas comentavam coisas tão boas sobre ele que eu não tive medo em solicitá-lo para ler quando ele foi lançado. E como você pôde perceber, não me arrependi. O conteúdo do livro toca profundamente os nossos corações, principalmente por se tratar de algo que pode acontecer com qualquer pessoa, infelizmente.
Devo dizer que gostei da edição, as bocas vermelhas e rosas, só me faziam lembrar as menções que a própria Melinda fazia sobre a sua mania de morder os lábios. E a árvore, nem se fala. Combina muito com a história. Além disso, considero a nossa edição mais bonita que a americana.
Beijos!
Mais uma resenha surpreendente sua, Isa. Fiquei tocada só de lê-la, imagino o que acontecerá quando eu ler o livro propriamente dito. Saiba que suas palavras já conseguiram despertar em mim certa inquietude que eu sei que será ainda maior quando eu estiver lendo as palavras da Melinda. Mas acho que foi essa a intenção da autora mesmo, tirar o leitor da sua zona de conforto e fazer com que ele reflita sobre esses temas que são sempre atuais. Com certeza esse título entrará para minha lista de prioridades. Parabéns! ;)
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