Resenha: Gigante do Volante por Stephen King

Resenha: Gigante do Volante por Stephen King

O livro "Escuridão Total Sem Estrelas" do escritor Stephen King traz quatro contos aterrorizantes para os seus leitores. Explorando medos e anseios distintos, o autor brinca com o perigo e nos mostra que nem sempre o pior terror tem origem naquilo que é sobrenatural, como, por exemplo, o caso do "Gigante no Volante" que eu trago para vocês hoje.

Título: Gigante do Volante

Livro: Escuridão Total Sem Estrelas

Autor: Stephen King

Editora: Suma de Letras

Ano: 2014

Páginas: 149 a 264 (393)

Onde comprar: Amazon | Saraiva | Submarino

Em "Gigante do volante", após ser estuprada por um estranho e deixada à beira da morte, Tess, uma autora de livros de mistério, elabora uma vingança que vai deixá-la cara a cara com um lado desconhecido de si mesma.

Tessa é uma escritora que não se considera uma grande estrela. Morando apenas com o seu gato, é comum ela interromper a sua rotina para participar de algum evento literário. E foi após a participação em um clube para leitores que a sua vida teve uma reviravolta inesperada... Ela ainda tinha dificuldades para entender o que aconteceu naquele fatídico dia, afinal, como um simples atalho poderia ter levado diretamente para uma armadilha perigosa e mortal? A verdade é que ela não entendia, mas lembrava muito bem do que passou. A abordagem inocente de um gigante, a mudança de humor, as ameaças, a violência. Sim, a violência havia sido tremenda. Ela só continuava viva por ter sido esperta, senão, estaria em um córrego fedido em estado de decomposição, assim como, as outras mulheres que ela viu quando seu corpo fora descartado depois de ser abusado.

Sua mente não conseguia aceitar a violência. Para poder viver novamente ela precisava alcançar a justiça e a melhor forma seria se isso fosse alcançado com as suas próprias mãos. Mas será que ela conseguiria se vingar daqueles que destruíram a sua vida ou esse pensamento era apenas uma loucura momentânea que iria desaparecer após uma noite de sono? Não, ela percebeu que não, assim que acordou e continuou com a ideia fixa na cabeça. Como a escritora que era, não demorou muito para que um plano começasse a se desenhar na sua mente de modo que logo ela estava pegando a estrada mais uma vez, só que dessa vez, ela não seria a caça mas sim a algoz do gigante do volante e daqueles que estavam por trás do que ele lhe fez.

"Gigante no Volante" é o segundo conto do livro "Escuridão Total Sem Estrelas" e traz uma das histórias mais vívidas que já li. Intenso é uma palavra que ainda não corresponde a totalidade do que senti enquanto estava mergulhada na leitura, pois a cada virada de página o sentimento devastador que sentia pela Tessa era intensificado. Acredito que muito disso se deve a empatia instantânea que tive pela protagonista em decorrência da violência que lhe foi imputada. As cenas de abuso sexual descritas pelo King nessa história mexe de um modo visceral com o leitor e o puxa não só pela consciência, como também, pela empatia pelo próximo. Me senti desnuda diante dos fatos e me coloquei na posição da Tessa durante todo o tempo, principalmente, quando ela passa a ter pensamentos extremistas acerca do que seria necessário para ela seguir adiante.

O terror que o King trabalha aqui não é o que apela para o sobrenatural, mas sim aquele que tem origem na maldade humana e em sua essência mais maligna. Nesse sentido, é estarrecedor o que ele consegue fazer com uma personagem que de simplória se torna alguém capaz de qualquer coisa para aplacar o ódio que sente por seu violador. Por acompanharmos a história sob o seu ponto de vista, é impossível não torcer para que ela consiga alcançar a paz que precisa, mesmo que para isso ela tenha que trazer à tona o que há de pior dentro de si. Parece um tanto quanto contraditório, mas cada aspecto do ocorrido permite que torçamos por uma vingança violenta sem peso na consciência. Outro ponto interessante dessa história é a relação maternal que o autor explora, ainda mais por ser a partir disso que os terríveis acontecimentos se desenrolam.

Acho interessantíssimo a abordagem que o Stephen King faz nas suas obras não só da relação entre mãe e filho (quem não lembra de Carrie, não é mesmo?), como também, dos infortúnios vividos pelos escritores em suas histórias (quem já leu Misery sabe do que estou falando), principalmente, por ele conseguir dar um toque todo especial a cada uma delas sem soar repetitivo. Ademais, confesso que por esse ter sido o meu primeiro contato com um conto do autor, demorei um pouco para me acostumar com a ausência daquele esmiuçamento tão típico dele, porém, depois me acostumei com a celeridade que os fatos foram narrados e aproveitei imensamente a leitura.

Uma coisa que poucas pessoas sabem é que esse conto foi adaptado e se tornou o filme "Impulso de Vingança" (Big Driver). Ainda não tive coragem de assisti-lo pois não me recuperei da vivacidade com que o King mostrou o abuso sofrido pela Tessa, mas acredito que em algum momento eu conseguirei vê-lo sem ficar me contorcendo de angustia.

Além disso, o que posso falar sobre essa história é que ela consegue mexer com o que há de mais primitivo no ser humano. O autor mostrou de modo brilhante o que somos capazes de fazer para alcançar a justiça que achamos merecer e como os limites impostos pela sociedade sobre o que é certo e errado se tornam tão fáceis de burlar quando somos colocados em uma situação de extrema violência. Apesar de ainda não ter concluído a leitura de todo o livro, indicaria tranquilamente "Escuridão Total Sem Estrelas" apenas pela qualidade que encontrei nesse conto. Então, se você assim como eu, tem interresse por histórias viscerais e que exploram o lado mais obscuro do ser humano, não pode deixar de conferir tudo o que o King se propôs a entregar para os seus leitores em "Gigante do Volante". 

[...] Quantos "eus" desconhecidos uma pessoa poderia ter, escondidos lá no fundo? Tess começava a achar que o número podia ser infinito. - Pág. 234

--- Isabelle Vitorino ---