Resenha Especial: A Pequena Sereia por Hans Christian Andersen

Creio falar por quase todos quando afirmo que cresci ouvindo/lendo/assistindo contos de fadas. De livretos infantis a animações Disney, esse universo expandiu minha mente para ir além do físico e do material, e fertilizou o terreno da minha imaginação, onde pude plantar as mais belas e frondosas arvores da criatividade. Dentre toda a diversa gama de histórias, uma em especial ficou eternamente cravada em meu coração, que foi “A Pequena Sereia”, ou “A Sereiazinha”, escrita pelo incrível Hans Christian Andersen. Essa é mais uma daquelas histórias que já é tão conhecida, que nem precisamos ler o conto. Correto? É aí que você se engana, querido leitor. Vamos, de uma vez por todas, provar que nossa amiga sirena é muito mais que uma jovenzinha sonhadora que se apaixona por alguém fora de seu mundo, e que se submete a castigos e provações por submissão a um homem.


Título do Conto: A Pequena Sereia
Autor: Hans Christian Andersen
Título do Livro: Contos de Fadas
Editora: Zahar
Páginas: 318 a 347 (452)
Ano: 2013
Onde comprar: Amazon | Saraiva | Submarino
Branca de Neve, Cinderela, João e Maria, Rapunzel, O Gato de Botas, O Patinho Feio, Pele de Asno, A Pequena Sereia, O Pequeno Polegar. Essa bela edição comentada e ilustrada traz as mais famosas histórias infantis em suas versões originais, sem adaptações. São ao todo 26 contos de Grimm, Perrault e Andersen, entre outros, enriquecidos por centenas de notas que exploram suas origens históricas e complexidades culturais e psicológicas, além de uma apresentação, elaboradas por Maria Tatar, eminente autoridade no campo do folclore e da literatura infantil. O volume conta também com uma extraordinária coleção de cerca de 240 pinturas e desenhos, muitos deles raros, de ilustradores célebres como Arthur Rackham, Gustave Doré, George Gruikshank, Edward Burne-Jones, Edmund Dulac e Walter Crane. E traz ainda biografias de autores, compiladores e ilustradores, além de apêndices com diferentes versões de alguns contos.

Numa das regiões mais profundas do oceano, existia uma linda cidade aquática, reinada por um único soberano. Este monarca tinha por companhia suas seis belas filhas sirenas. Sua esposa já havia falecido, sendo então auxiliado por sua mãe, que lidava com os afazeres domésticos e a criação de suas netas. A mais nova das meninas, era uma criança peculiar, que almejava mais que tudo ir ao mundo humano e explorar o lugar.

Quando completou a idade necessária, partiu e lá se encontrou deslumbrada por aquela superfície que tanto ama. Ao encontrar uma embarcação, a jovem se encanta pela beleza do jovem rapaz, que estava comemorando seu aniversário naquele dia.

O navio acaba sendo pego por uma tempestade, que acaba naufragando, a sereia logo parte para auxilia seu amado e o resgata. Após este dia, a pequena passa a refletir sobre o jovem, e, após encontrar o mesmo novamente, vai aconselhar-se com sua avó. A sirena mais velha revela a jovem garota que há uma grande diferença entre a gente da terra e a gente do mar. Apesar de viverem muito mais que os humanos, os sirenos não tem alma, logo, ao morrerem, viram espumas do mar e são para sempre esquecidos, enquanto os humanos, quando se despedem dessa vida, vão para reinos celestes, onde viverão eternamente, graças a suas almas imortais.

Para que a sereia obtivesse uma alma imortal, seria necessário que um humano se apaixonasse por ela e trocassem votos de matrimônio, pois assim eles passariam a ser apenas um, fazendo com que a alma do humano passasse também para a sereia.

Apesar dos avisos de sua avó e mesmo da bruxa do mar, a menina está disposta a sacrificar tudo que tem e tudo que ama, pois deseja ter sua alma imortal e ir rumo ao reino celeste que apenas os humanos têm acesso.

Aviso antecipadamente aos leitores mais sensíveis que a história é angustiante e seu final, a meu ver, quase desolador.

Hans Christian Andersen, para P. L. Travers (Autora de Mary Poppins) era um exímio carrasco. A principal característica das obras deste autor é a total e completa humilhação e tristeza de seus personagens para, no fim, elevá-los a uma máxima categoria de beleza e paz (o que na teoria literária chamam des  sublimação).

"A Pequena Sereia", a meu ver, é uma história sobre desejos. O quão longe você irá para alcançá-los, suas consequências e se, no final de tudo, aquilo realmente valeu à pena.

Além de seu tema geral, Andersen usa de elementos muito pertinentes em obras literárias até hoje.

A figura forte de personagens femininas é um deles, que podemos usar de exemplo não apenas a Sereiazinha, mas até mesmo sua avó, que é a representação da experiência, suas irmãs e até mesmo a bruxa do mar. Os homens que são escritos neste conto são figuras tão aleatórias e tangenciais, que quase se tornam figurantes.

Quem é o rei? Apenas um personagem que nos confirma a “realeza” das garotas.

E o príncipe? Um meio para um fim.

Outro, por falta de uma colocação melhor, seria o “sofrimento pela beleza”, ou mesmo a ditadura imposta pela mesma. Ilustrados na cerimônia de maior idade da jovem, onde ela é obrigada a usar adornos que a sufocam e a machucam. Nessa cena a fala mais marcante com certeza é a que “Pride must suffer pain”, que foi adaptado para “A beleza tem seu preço”, onde vemos que há uma relação direta entre “dor” e “beleza”.

Mas, apesar dessa passagem deixar isso bem claro, a representação mais forte disso é na transformação da menina em humana. No conto, diferente de toda a mágica feita pela Disney, ela tem sua língua cortada, para não falar mais, e suas pernas lindas e graciosas tem seu preço: a cada vez que dançar, ou mesmo pisar no chão, ela sentirá como se pisasse em lâminas afiadas e seus pés sangrarão. É basicamente a ideia de que bailarinas devem abrir mão de seus pés, ou mesmo de sua humanidade, para se tornarem dançarinas perfeitas.

A grande diferença entre o Conto e a versão Disney, por exemplo, seria a mudança de objetivos. Enquanto a Ariel quer conhecer o mundo humano, mas o que a move é seu amor pelo príncipe, a Sereiazinha sofre e se humilha não por amor (apesar de haver este sentimento), mas por seu objetivo principal ser a conquista dos reinos celestes e de sua alma imortal.

Isso me faz refletir sobre a “pureza” de seus atos.

Ela sofre para encontrá-lo, e ainda se humilha a ponto de dormir em uma almofada, ao lado da porta do príncipe. Tudo como um meio de seduzi-lo, por assim dizer. Ela o ama, mas nunca foi seu foco. Acaba que ela “usa” o príncipe, como dito anteriormente, para um fim.

Mesmo quando tudo parece perdido e ela tem como retornar ao mar, se fizer o que lhe foi mandado, embora não tenha sido deixado claro, não creio que o impecilho seja seu amor, mas por pensar que, se ela não poderia ser humana, sereia ela não ia ser nunca mais.

No final, apenas um questionamento ficou de tudo isso:

Tanta dor, sofrimento, humilhação, tristeza e decepção valeram a pena?

Não sei se Andersen era um sádico que gostava de fazer criancinhas chorarem, mas seus contos são um deleite ao leitor, não apenas por seus personagens ou sua escrita, mas pelas questões que ele traz com os escritos.

A verdade é que eu nunca mais vi a Pequena Sereia com os mesmos olhos.


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Então pessoal, espero que apesar dessa resenha um tanto melancólica, vocês possam dar chance a esse conto que, apesar de triste, é muito lindo. Esse aqui é o segundo conto de nossa série de artigos do projeto "Muito Além do Ponto", em que vamos trazer nossos contos favoritos e mostrar toda a grandiosidade desses belos trabalhos!


--- Marcel Elias ---

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